Eu fui para o Seminário ao completar 12 anos de idade, no mes de janeiro. Isso foi em 1965 e foi já na 1a. série do ginásio, juntamente com uma turma que lá fizera, em 64, o admissão ao ginásio. E lá fiquei até 1973 e lá deixei toda uma boa parte da minha juventude. Vi muitos que se foram logo, outros depois de alguns anos; novos que vinham e iam, mas no fim restamos 6 quando o Seminário se tornou PUCAMP.
Passados 40 anos começamos a nos reencontrar. Qualquer pessoa que nos ouça dizer que estamos fazendo encontros de confraternização logo pensa em turmas de escolas, faculdades, etc.
E realmente há muitos disso por aí. Encontram-se para um bom papo e falam dos tempos que estiveram juntos com um determinado fim, mas guardados os limites da vida pessoal. Muitas coisas não são de interesses comuns.
Entre nós também, nesse intervalo de 40 anos, muitas coisas também não são comuns. E a maioria se separou logo depois do colegial; muitos conviveram apenas 2 ou 3 anos mas mesmo assim parece que depois de tanto tempo sentimos que há um "espírito no ar".
Ele se manifesta nas recordações dos casos, histórias, aventuras, broncas, etc. Mas isso também acontecia em qualquer outro lugar. Então há algo mais profundo que nos atrai para esse passado incomum.
Começa com a despedida da família, logo tão cedo. As vezes fico arrepiado só em pensar em um filho meu, aos 11 anos, saindo sozinho para a estação de trem para ir para outra cidade, como eu fazia. E os dias e noites lá distante, como estaria? E se adoecesse, se tivesse fome, se sentisse com algum problema, estaria incomunicável.... Não!!! estaria nas mãos de Deus! Era assim que as famílias se consolavam.
Os primeiros dias foram muito estranhos. Lembro-me quando acordei e fiquei olhando para o teto totalmente estranho. Demorei um pouco para cair na real e aceitar que aquele não era o teto de minha casa e logo me veio a mente que também não estavam por perto minha mãe e irmãos. Lancei um olhar para o lado e aquela fileira de camas, de uma camerata para a outra. Em cada cama um ser como eu. Isso deu um pouco de coragem. Aliás era a visão dos amigos ao redor, a imitação dos maiores pelos menores, que dava o apoio necessário para se firmar na vida comunitária. Em seguida, tudo era feito lado a lado. Na capela, no refeitório, na classe e nos recreios. Todos participavam das tarefas para manutenção da vida interna, do acordar até o adormecer. Isso dava um sentimento de cumplicidade, como dizia Saint-Exupèry em O pequeno Príncipe, significava criar laços. Era muito diferente de simplesmente ter um amigo de escola, por determinadas horas apenas e depois cada um para seu lado. Vamos ilustrar mais esses "laços": engraxar sapatos, trocar as roupas de cama todo sábado, manter aquele armário mofado em ordem, arrumar impecavelmente a cama todo dia, ir para a capela de agasalho, manter os cabelos cortados e penteados, manter as carteiras em ordem, por dentro e por fora, participar de turmas de limpeza, não jogar "paperzinhos" pelos pátios, não gritar, não xingar, não brigar, nada de farra.... e as atividades: roupeiro, sapateiro, enfermeiro, bibliotecário, monitor, boleiro, chefe do conselho, lider de classe e na parte religiosa: acólito, leitor, turiferário e cerimoniário. Mas também a parte gostosa: os jogos de mesa, futebol de campo e salão, basquete e vôley e até bocha. Os shows e os filmes. E uma das coisas que mais nos enlaçou, eu penso, era o espaço enorme dos campos, separados pela longa avenida da gruta. E aquela escadinha do campo de baixo, onde a gente sentava nos sonolentos recreios do almoço e olhava para o bairro ainda embrionário e as colinas ao longe. Um amplo céu azul ensolarado e a gente ficava conversando....o que falávamos?...aos 12 anos....aos 13....15...17...20.... É meio inimaginável hoje pensar em uma vida crescendo assim...
Bem, mas penso que foi então que se criou "o espírito da coisa". Não esperem que eu explique, tentei ilustrar apenas, mas o sentimento que nos atrai hoje deve estar no coração e na imaginação de cada um. Se não estiver mais então você será apenas um ex-seminarista.
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