sábado, 28 de abril de 2012

Nunca deixei de frequentar a Igreja, até mesmo porque a ela devo muito da minha formação


Quando lembro-me dele imediatamente me ocorre a habilidade que ele tinha para o jogo de "pingue-pongue".
Como a totalidade dos nossos entrevistados, ele reconhece os benefícios de ter frequentado o seminário e ter participado daquela comunidade.
Se eu disser o seu apelido fica muito fácil para qualquer leitor saber quem é este nosso colega. 
O apelido será revelado apenas na última linha da entrevista. 
Quem preferir arriscar um palpite pode procurá-lo nesta foto.

  • Por que entrou para o Seminário?
Sou descendente de famílias tradicionalmente católicas da cidade de Monte Mor, paróquia Nossa Senhora do Patrocínio, numa época em que já se nascia católico. Do lado paterno “família duarte de medeiros”, portugueses; do lado materno “fernandes de campos”, espanhóis. Fui educado religiosamente numa época em que se fazia o exame de consciência segundo os mandamentos da Lei de Deus e da Igreja. Desde criança frequentava a catequese e não faltava à missa aos domingos e festas religiosas.
Sei que meus pais queriam ter um padre na família. Eu, propriamente não sei o que me levou para o seminário. Sei que a decisão foi minha. Minha mãe dizia que foi a partir de orações a Nossa Senhora Aparecida, por ocasião de problemas de saúde de uma de minhas irmãs. O fato é que, a partir do momento que manifestei o desejo de entrar para o seminário, minha mãe contou ao Cônego Cyríaco e ele pediu que eu começasse a frequentar mais a missa e ser coroinha, pois ainda não tinha concluído o Curso Primário.
  • Quando entrou para o Seminário? Quantos anos tinha quando entrou?
Após o primário em 1959, fiz a Preparação para a Admissão ao Ginásio (1.º Grau) e já ingressei na 1.ª série, com 11 anos, em 1961.
Acredito que adaptar-me à disciplina e vida de oração do seminário não me foi muito difícil. Mais difícil foi a separação dos pais e irmãos e acostumar-me a um ambiente social bem diferente daquele em que eu vivia. Porém, aos poucos, os colegas passaram a ser meus novos “irmãos”, pela amizade e coleguismo. Hoje, fico pensando as dificuldades de adaptação de alguém como eu, que saiu de uma família simples, acostumado a um ambiente rural e, de repente, é lançado num colégio interno totalmente diferente da vida de liberdade do campo em que vivia, pois, o seminário em 1961 ainda tinha todo o rigor de antigamente: horários para tudo – estudo, oração, recreação; para dormir e levantar; salas específicas para receber as visitas uma vez por mês; horários de silêncio absoluto como na capela, refeitório, entradas e saídas das salas de aulas; leituras da vida dos santos durante as refeições; horário de leitura espiritual, missa e reza do terço, diariamente.
  • Por que saiu do seminário?
O ginásio transcorreu normalmente sem levantar muitas questões a respeito da minha vocação. Certa vez, já no Curso Clássico fui aconselhado pelo Pe. Vanim a deixar. Vocês devem se lembrar do exemplo clássico da “caneta”, que ele usava para dizer que alguém não dava para ser padre: pegava uma tampa de caneta bic e outra de carga de tinta e dizia que uma não combinava com a outra caneta e apontava as nossas falhas. No entanto, o reitor não concordou e eu permaneci, passando pelas experiências de abertura de seminário que aconteceram após o Concílio Vaticano II, dizia ele, que eu era muito tímido para ser padre. No entanto, o Monsenhor Bruno não concordou e eu acabei permanecendo. Sabiam que o modelo de seminário até então existente não se sustentava mais frente às mudanças sociais que exigiam uma nova formação do padre.
Em 1967 a minha turma que já estava bastante diminuída, de um total que se iniciou em 1961, com 63 alunos, apenas alguns fizeram o 3º ano clássico no Colégio Pio XII. Lembro-me de que éramos atração pelo nosso bom comportamento. Desse tempo, tenho saudades das aulas do Prof. Aquino de Português. Estudamos três volumes da literatura brasileira num só ano. Ele conseguia a atenção completa dos alunos, não só pelo sotaque português que ostentava, mas sobretudo pela didática, oratória e pelos grandes conhecimentos. Talvez tenha vindo daqui o desejo de cursar Letras mais tarde.
Em seguida, com exceção do Wilson Caritá, que foi para o Curso de História, passamos a cursar Filosofia na PUCC e fomos morar na casa paroquial do Cônego Antonio Roccato, da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no bairro Vila Nova em Campinas. Tivemos inicialmente o Pe. Hercílio Turco, hoje bispo, como orientador espiritual, depois o próprio Cônego. Acho que lá permanecemos dois anos. Depois, nos reunimos com a turma anterior na casa da esquina do Colégio Pio XII, tendo o Pe. Arlindo de Nadai como orientador espiritual.
Com as novas experiências a minha vocação se voltou mais para ser professor do que para ser padre. Desde o primeiro ano da Faculdade de Filosofia, passei a lecionar Português, ainda como aluno, no Colégio Nossa Senhora das Dores, em Artur Nogueira, dirigido pelo pároco da cidade, Pe. Edson, juntamente com os colegas: Eduardo e Mateus. Ao terminar a faculdade, praticamente todos já tínhamos tomado uma decisão, nenhum em direção ao sacerdócio. No penúltimo ano de Faculdade, já havia sido extinta a casa dos seminaristas e alguns passaram a morar em república. Depois de terminada a Filosofia, praticamente não havia campo de trabalho no Ensino Médio: as aulas de Filosofia, Sociologia e Psicologia haviam sido retiradas do currículo do Ensino Médio por causa da ditadura militar. O período em que cursamos a Filosofia havia sido muito agitado, fora e dentro da universidade: período de efervescência política, repressão, discussão do sistema educacional, fora, greves dos trabalhadores; dentro da universidade greve apoiando a uns professores e rejeitando a outros, pelas posturas que tomavam frente aos acontecimentos internos e atos do governo.
  • Qual sua trajetória profissional após a saída do Seminário?
Com mais dois colegas professores montamos, em 1972, um Curso de Madureza Ginasial (1.º Grau – 2.º ciclo) em Monte Mor que funcionou por dois anos. Nesse tempo já estava também cursando Letras. Trabalhei ainda em escritório em Campinas e na Prefeitura de Monte Mor. Mas, a partir de 1977, iniciei carreira no magistério como professor de Português. Depois, em 1984, cursei Pedagogia, fui Diretor de Escola, Supervisor de Ensino e aposentei no início de 2009.
  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
O seminário fez toda a diferença em minha vida. De lá veio a base dos meus conhecimentos, a possibilidade de continuidade dos meus estudos primários, a disciplina, os valores humanos e cristãos que levarei por toda a minha vida.
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Casei em 1979. Tenho um casal de filhos: a Taís e o Fernando e um netinho, o Davi.
  • Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Acredito que muitos professores do seminário deixaram as suas marcas em minha personalidade pelo respeito, atenção e dedicação. Porém, o Monsenhor Bruno foi o que mais marcou. Por trás daquela seriedade na disciplina e zelo pelos seminaristas havia muita dedicação, vontade de acertar, senso de justiça, consideração pelos mais humildes.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de Seminário?
Recordações boas do seminário tenho muitas: os dias de festas, os passeios à Fonte Sônia, os jogos da seleção, os campeonatos de futebol e de tênis de mesa, o “Corinthinha” criado pelo saudoso Paulo Afonso Passarinho, os filmes aos sábados, as sessões do Grêmio e da Academia Literária, as amizades, sobretudo dos colegas da mesma turma, a ajuda mútua nas sessões de estudo.
  • O que aprendeu no Seminário?
Não me arrependo de ter passado a minha adolescência no seminário e muito menos as experiências que vieram depois. Para as circunstâncias da época foi muito bom. Dele aprendi muito, sobretudo, o gosto pela aprendizagem, pelo estudo e pelo ensino: o que fez toda a diferença na sequência da minha vida.
  • Se voltasse no tempo iria novamente para o Seminário? Por quê?
É muito difícil responder sobre suposições, quando já se está vivendo em outra situação. Acredito que na época e para as condições em que eu vivia a experiência foi ótima.
  • Dedica-se à Igreja Católica atualmente? Qual sua relação atual com a religião?
Nunca deixei de frequentar a Igreja, até mesmo porque a ela devo muito da minha formação. Na Paróquia N.Sra. do Patrocínio já participei da Pastoral do Crisma, do Batismo, fui Ministro da Palavra. Hoje participo da formação de leitores e estou fazendo um Curso de Estudos Bíblicos, aos sábados, na PUCC.
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Acho que a religiosidade da época de seminário era massificante, no sentido de ser imposta, não dar oportunidade de escolha. Não sei também o que aconteceria se fosse diferente. Hoje se frequento a igreja, se participo de alguma ação litúrgica ou pastoral é por decisão própria. Acho que a Igreja, mudou um pouco, após o Concílio, em relação à participação do leigo na liturgia, nas pastorais, mas ainda carece bastante do testemunho e da ação no campo social e de líderes autênticos que vivam no dia-a-dia o testemunho evangélico. As mudanças estruturais são muito lentas. Na prática, muito se fala, mas pouco se faz
  • Sobrou alguma mágoa? Qual?
Não! Acredito que, por temperamento, não sou uma pessoa de guardar mágoas. Acho que guardar mágoa não faz bem a ninguém. As mágoas são como as nódoas, devem ser diluídas logo que acontecem. Só permaneceram as boas recordações.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas, tanto os de seu tempo como os do Ex-SIC?
O reencontro dos ex-sic para mim é um resgate de uma fase boa de nossas vidas: recordar os bons momentos é de certo modo revivê-los. Por isso, parabenizo os colegas que trabalham e se esforçam para que estes aconteçam. Não vou citar nomes, porque correrei o risco de omitir alguns que se dedicam a esta nobre tarefa.
  • Alguma mensagem especial aos demais ex-colegas de seminário?
A todos os ex-colegas, especialmente aos de minha turma, um profundo agradecimento pelos bons momentos de convivência, de diversão, de amizade sincera, de crescimento juntos. Que Deus continue abençoando-os sempre. Um abraço fraterno a todos.


José Carlos Duarte (Cutia)


Aí está o testemunho de alguém que deu continuidade à formação recebida no seminário, mesmo fora do sacerdócio a que tinha se proposto.
E esta diversidade de rumos que temos observado nos nossos entrevistados é uma riqueza nada desprezível. Seu comentário é sempre bem vindo para  entendermos e aprendermos a conviver com a diversidade de pontos de vista. 
Quem souber a origem e o motivo do seu apelido (Cutia) também está instado a escrever um comentário explicando, pois nem ele mesmo sabe.
Só não esquecer de identificar-se caso comente como anônimo