sábado, 17 de abril de 2010

"Vocês acham que devo continuar a exercer o sacerdócio mesmo namorando?"

Esta é a segunda de uma série de entrevistas/depoimentos que estamos publicando com nossos colegas que frequentaram o ex-SIC.

O entrevistado de hoje foi um padre que submeteu seu namoro à votação da comunidade e perguntou ao bispo se podeira continuar namorando!

Além desta e outras aventuras, leiam uma entrevista cheia de sinceridade e emoção.

Mais uma vez não resisto à tentação de deixar a identificação do entrevistado para o final da publicação.
  • Quando entrou para o seminário?
Em 1952, no Seminário São Carlos Borromeu, Sorocaba, uma cidade absurdamente distante de Amparo pois só havia estradas de terra. Mons. Lisboa nos levou (eu, meu irmão, que havia entrado no ano anterior e o Paulo Rossetti). Ali tomamos um (micro?) ônibus com outros colegas de outra cidade (Fantinato, Valdívio Begalli, entre outros) e fomos até a distante Sorocaba.
  • Saiu de que cidade/paróquia?
Amparo. No ano seguinte, 1953, como havia vários candidatos de Amparo, o Mons. Lisboa alugou um caminhão (aberto), colocou-nos todos sobre a carroceria e na companhia do sacristão (acho que era o Felício, na ocasião) fomos até Sorocaba. Nem preciso dizer como chegamos empoeirados (e empoleirados).
  • Por que entrou para o seminário?
Porque era uma caminho "natural". Era coroinha, cruzado e mariano. Todas as tardes, após a escola, lá íamos para a paróquia jogar um pingue-pongue, ou íamos até o convento das irmãs Missionárias (com a Irmã Geralda) para aulas de religião e bater uma bolinha no campo que havia dentro do convento.
Havia lá uma jabuticabeira e me lembro que o Jorge Velho (o "Onça"), meio grandinho em comparação com os demais, subiu num galho e o galho quebrou e ele beijou o chão.
  • Quantos anos tinha quando entrou?
10 anos. O ingresso foi num dia 2 de fevereiro (tem uma música carnavalesca ...) Fiz 11 em 6 de abril.
  • Quais seminários frequentou?
Devo ser o campeão. Sorocaba, 1952 a 1954, Admissão, 1° e 2° ginásio. Campinas, 1955 a 1958, 3° ginásio até 2° colegial. Aparecida, 1959 a 1962, Filosofia. Central do Ipiranga, 1962 e 1963, Teologia. Aí houve uma interrupção pois fui fazer um "estágio" em Porto Ferreira, pois o Ipiranga não me quis mais. Campinas, de volta, como professor. Terminei a teologia junto ao seminário dos padres (? esqueci), em Campinas.
  • Quando se ordenou?
Em 1967, acho que em dezembro. Em Amparo, por D. Paulo de Tarso Campos.
  • Quantos anos tinha quando se ordenou?
26 anos.
  • Quando começou a trabalhar no ex-SIC?
Em 1965.
  • Que atividade(s) ocupou no ex-SIC?
Professor, Prefeito de Estudos e Reitor.
  • Quando deixou de trabalhar no ex-SIC?
Minha história entre 1970 e 1976 é um tanto confusa na minha cabeça. Era muito ocupado. Ao mesmo tempo que "cuidava" de alguns alunos no Seminário, fazia Pedagogia nas férias em São Paulo, fazia Pós-Graduação na PUC em São Paulo e ajudava em algumas comunidades - em ordem: Santa Cruz da Conceição, Elias Fausto e, finalmente, capela do Jardim São Vicente, na paróquia do Cura D'Ars.
Não sei dizer com exatidão (o Grego tem tudo na "ponta da língua") o ano que o seminário fechou, o ano que a PUCCAMP tomou conta, o ano em que fui morar com outros padres numa casa em frente ao seminário (junto com o Malvestiti, Pedro Piacente - Lota - e Ferraro, recém chegado da Suíça)
Ah, e dava aulas na PUCCAMP, no Colégio Pio XII e numa Faculdade em Mogi Mirim.
  • O que fez depois?
Fui morar com esses padres, continuava com as aulas e "paroquiava" no Jardim São Vicente.
  • Por que "deixou a batina"?
Taí uma perguntinha difícil de responder. Não houve uma razão única. Uma mistura de coisas. Um certo desencanto com a Igreja embora eu possa dizer que, quando saí, eu estava MUITO engajado na comunidade do Jardim São Vicente ... então não havia tanto desencanto pois me sentia bem livre para exercer o ministério de um jeito bem livre. Mas aí resolvi namorar uma garota dessa comunidade, e fiz algo impensável (!):
(1) anunciei a minha decisão à comunidade e me submeti à votação popular: "vocês acham que devo continuar a exercer o sacerdócio mesmo namorando?".
(2) A maioria concordou: sim, poderia.
(3) O Malvestiti levou a questão ao bispo ... na época, D. Antonio Siqueira. Quanta inocência!!! Claro que ele não permitiu.
(4) Então anunciei à comunidade que não poderia mais atuar, mas que continuaria a frequentar a comunidade como um leigo. E foi o que fiz, até casar e mudar para Taubaté, onde fui trabalhar no Senac.
  • Houve alguma represália da parte da Igreja por isso?
Sim, que eu não poderia continuar dando aulas no PUCCAMP. E agora, o que fazer da vida? Sem o "guarda-chuva", sem a "capa protetora" da Igreja? Sem casa, sem emprego.
  • Qual sua trajetória profissional após "deixar a batina"?
Minha trajetória, que havia começado como professor, foi interrompida aí. No início de 1976, o Newton Aquiles von Zuben, que era meu colega de turma no SIC e que foi estudar Filosofia em Louvain, havia voltado e assumido uma cadeira na Unicamp (mas eu já havia cruzado com ele na pós-graduação da PUC-SP), convidou-me pare ser "Assistente de Pós-Graduação" do Prof. Rezende (um ex-Dominicano), na Unicamp. Comecei mas, depois de um mês, ele me comunicou que não havia verba para me pagar e, seu eu quisesse continuar deveria trabalhar sem ganhar até o próximo ano, quando seria destinada uma verba para me pagar. Terminou aí minha carreira acadêmica.
Nesse ínterim, recebo um telefonema do Francisco Aparecido Cordão (ex-seminarista de São Paulo, meu colega no curso de Pedagogia supra-citado ... ele é o ex-seminarista mais padre que eu conheço ... é um cara muito atuante na Educação Nacional e faz parte do Conselho Nacional da Educação). Bem, recebo um telefonema do Cordão, que se preocupava com os "ex" (padres e seminaristas) e me perguntou se queria fazer uma entrevista para entrar no SENAC. Aceitei, entrei como Técnico de Formação Profissional, fui designado para Taubaté. em 1977 fui designado para São Paulo e saí em 1983. Em 1984 entrei no Itaú, como Analista de Treinamento e depois Gerente, onde fiquei até 1996. Depois disso, tenho feito trabalhos de consultoria em Recursos Humanos.
  • Trabalha ainda?
Estou tentando continuar a consultoria, mas, com o falecimento do meu sócio que era quem tinha o "network" necessário para conseguir trabalhos nessa área, estou a pé. Estou tentando com outro sócio que começou agora com consultoria, e a coisa está fraca. Não estou financeiramente bem resolvido.
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Casei em 1977, dia 7 de maio, na capela do Jardim São Vicente, onde exerci o meu último paroquiato. Ainda tenho uma cópia do texto da missa que eu próprio escrevi e que foi celebrada pelo Pe. Pedro Piacente - Lota. O sermão foi substituído por um jogral lido pelo Claudinei e por uma menina da comunidade de jovens. Tenho uma cópia do texto.
Família: esposa Marlene, 10 anos mais jovem; Amós, filho, 30 anos, solteiro, mora sozinho em apartamento no centro de SP, trabalha na SERPRO, técnico de rede, faz Ciências da Computação; Lucas, filho, 29 anos, solteiro, professor de educação física em academias, mora conosco.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
As esquisitices dos regulamentos dos seminários, por exemplo. Sorocaba tinha coisas incríveis, como já relatei, tipo jogar de calça comprida. Outro bem esquisito era o Central do Ipiranga. Exemplo: às quintas, você podia sair para a cidade, ir a qualquer lugar, MENOS IR À CASA DE PARENTES (!!!).
Mas há muitas recordações. Precisaria de um tempo para relatar de forma a despertar interesse.
  • Cite um personagem com que conviveu na época e que o impressionou positiva ou negativamente.
Mons. Bruno Nardini, uma figuraça. Um misto de padre com empresário (ele participava regularmente do Conselho Administrativo da empresa da família). Sempre doente e sempre presente. Enérgico e compreensivo. Não me criticou ou tentou me dissuadir quando fui visitá-lo para dizer que estava deixando o sacerdócio.
  • Sobrou alguma mágoa? Qual?
Mágoa? Não. Acho que havia uma boa intenção geral nos nossos orientadores. As falhas eram por excesso e não por falta. A coisa mais forte que me aconteceu foi ter sido expulso do Central do Ipiranga. Acharam que eu havia participado em demasia de um movimento para mudar alguns regulamentos internos. E também porque diziam que eu só me preocupava com cinema. Acho que foram essas as duas razões que apresentaram na carta que enviaram para Campinas, e que nunca li. Acabaram me propiciando um ano delicioso em Porto Ferreira, 1964, junto ao Pe. Pavesi.
  • Se voltasse no tempo trilharia novamente os mesmos caminhos? Por que?
Perguntas que começam com "se" são irrespondíveis ... mas vamos brincar um pouco.
- Se o destino está traçado, como dizem muitos, a pergunta não tem cabimento.
- Se nós é que fazemos o nosso destino, aí temos que discordar pois há muita coisa que depende do puro acaso. Se querem um bom conselho, comprem e leiam: "O Andar do Bêbado". Traz muitos casos para mostrar o papel do acaso na vida das pessoas. Se quiserem mais detalhes, perguntem ao Camarguinho que leu e gostou também.
- Houve decisões que dependeram de mim. Por exemplo: houve um momento em que quase saí do seminário, um momento assim bem forte. Quando? Em 1953, quando estava no 1° ginasial. Meus pais foram me visitar, levaram papel para encapar e guloseimas, claro! Aí peguei e fui guardar na minha carteira, antes de eles irem embora. Aí quase fui às lágrimas, tive que lutar muito para não chegar e dizer a eles "quero ir embora". Me deu um nó na garganta. Minha mãe deve ter percebido e perguntado alguma coisa, mas eu, machão, não ia entrar nessa (pois meu irmão já não estava mais comigo, tinha ficado em casa).
- Houve acasos que poderiam ter mudado completamente minha vida. Por exemplo: eu havia sido escolhido pelos padres para ir estudar Filosofia em Louvain. Porém, como meu colega Aquiles von Zuben tinha um tio padre que iria garantir dinheiro para a passagem e outras despesas, fui preterido e ele foi no meu lugar. O que teria sido de mim se tivesse ido para estudar em Louvain?
  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário(e/ou sacerdócio) provocou em você?
Viver num mundo "não religioso", no mundo empresarial, a casa, o ter que ganhar e sustentar uma casa, uma família, etc e tal. Mas eu sou um bicho muito adaptável.
Mas mudanças mesmo ??? ... acho que os valores continuam os mesmos. Acho que os traços de personalidade também. Quando reparo nos nossos encontros em algumas pessoas com quem mais convivi (Grego e Talpo), por exemplo, vejo como os traços identificadores são os mesmos (voz, posição corporal, seus sistemas de pensamentos, por exemplo, mais práticos ou mais inquisidores). Enfim, acho que eles também me acham muito parecido, em algumas coisas, com o que eu era quando era seu professor.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Joia. Acho que o encontrar-se, simplesmente o encontrar-se, numa boa, num ambiente legal, é o grande "sacramento". Se o encontro pudesse se estender em conversas mais profundas, em trocas de experiências, então, aí o encontro seria ainda melhor.
  • Alguma sugestão?
Estou fraco em sugestões para melhoria.
  • Qual (ou quais) pergunta(s) você gostaria de ter respondido e que não foi(foram) feita(s)?
O Adorno achou falta de uma pergunta sobre como foi resolvido o problema sexual. Pessoalmente não tive que lutar contra a "inculcação" sobre sexo existente no seminário.
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Alguns gostam de me chamar de mestre. Se for apenas um sinal de carinho, ótimo. Mas não quero ensinar nada a ninguém. Principalmente em questões de moral, comportamento, valores, etc. A vida é o melhor professor. Mais do que a escola.

Luis Carlos Daólio


Aí está. Aguardando seus comentários.

J.Reinaldo Rocha

Em Agosto tivemos a grata surpresa de ter sido informados do "site" que o Daólio criou para divulgar assuntos de Recursos Humanos Corporativos (Aqui tem RH).
Eis o "link" para que todos leiam o seu rico conteúdo:
http://www.aquitemrh.com.br

É o mestre Daólio nos brindando uma vez mais com seu vasto conhecimento. 




OBS: A medida que as entrevistas forem sendo publicadas, os respectivos "links" das publicações estarão na seção "Personalidades" do nosso "site" (experimente clicar aqui), coluna "Mais Informações".

sábado, 3 de abril de 2010

"Acho que o excesso de repressão sexual contribuiu para que muitos de nós tivéssemos problemas nessa área"

Hoje começamos uma nova série neste "blog". A intenção é saber o que aconteceu com os colegas com os quais convivemos, lado a lado, durante um tempo de nossa juventude. O que eles fizeram depois? O que eles pensam hoje? Como veem o passado depois de tantos anos de "estrada"?
Tentaremos publicar uma entrevista ou depoimento a cada 15 dias. Isto dependerá do interesse que despertar. Por isso comentem a vontade. Seus comentários serão o "feedback" que impulsionará ou arrefecerá esta iniciativa.
Está aberto a comentários anônimos, porém solicitamos que, nestes casos, o comentarista se identifique.

Para começar escolhemos um profissional da imprensa. Ele deu respostas objetivas, claras, concisas e corajosas.
No final há a identificação do entrevistado. Leiam a entrevista e tentem adivinhar antes de saber quem é.

  • Quando entrou para o ex-SIC 
Em março de 1959.

  • De que cidade/paróquia?
Descalvado-SP.
  • Por que entrou para o seminário?
Por ter nascido em família muito católica; ter convivido com um dos seres humanos mais extraordinários que conheci, o Padre José Gaspar, quando coroinha; e ter sido estimulado a seguir plenamente a fé familiar. E também por ter sido fascinado pelo mistério das magníficas celebrações da Igreja naquela época, em especial pela musicalidade do Latim.
  • Quantos anos tinha quando entrou?  
 11.
  • Quando saiu do ex-SIC?
Em janeiro de 1962, depois de ter completado o 3º ano do ginásio em dezembro de 1961.
  • Quantos anos tinha quando saiu?  
 14.
  • Por que saiu do seminário 
     
    Por ter chegado a um ponto em que não conseguia mais acreditar que tivesse vocação e por ter começado a sentir repulsa por religião organizada.
  • O que aprendeu no ex-SIC 

Disciplina, valores morais (principalmente éticos), respeito à hierarquia, conscientização da necessidade de se doar à sociedade e às pessoas, consciência plena do enorme valor que têm na vida a cultura e a educação. 

  • O que faltou aprender? 

Mais Latim... e Grego, que nunca cheguei a aprender, infelizmente.

  • O que fez depois que saiu? Estudou o quê? 
Terminei o ginásio e fiz o científico em minha terra natal, Descalvado, depois vim a São Paulo, cursei a Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero e, mais tarde, Língua e Literatura (Inglês, Português, Alemão, Italiano) na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.  

  • Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?  

Trabalhei em diversos órgãos de imprensa, jornais (A Gazeta, A Gazeta Esportiva, Diário de São Paulo, Diário Popular, O Estado de S. Paulo), revistas, passei 11 anos na extinta Abril Cultural – Divisão de Fascículos e Livros da Editora Abril –, trabalhei 4 anos em Tóquio, na Nippon Hoso Kyokai (Japan Broadcasting Corporation) na Seção de Língua Portuguesa da Rádio Japão, em transmissões radiofônicas para o Brasil, e em seguida 20 anos na Rádio e TV Cultura de São Paulo, de onde saí em fevereiro de 2009. 

  • Trabalha ainda?  

Sim, atualmente como free lancer nas áreas de jornalismo, traduções e produção de livros.

  • Casou? Tem filhos? Netos?

Casado duas vezes, duas filhas do segundo casamento. Sem netos. 

  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC 

A extraordinária competência dos superiores e orientadores – Monsenhores Bruno Nardini e Luiz de Abreu, Padres Oswaldo Vanin, José Gaspar e Ângelo Pedro Longhi –, dos nossos mestres nas salas de aula – especialmente Euclydes Senna e Luiz de Campos –, a dedicação das Irmãs que auxiliavam na nossa formação, o companheirismo e amizade de muitos colegas, alguns dos quais amigos caríssimos até hoje 

  • Cite um personagem com quem conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente. 

O Padre Celso Queiroz (hoje bispo), que nos iniciou no conhecimento verdadeiro e no infinito prazer da música; o Padre Couto, que não tinha muito jogo de cintura e, em nome da disciplina e de sua obsessão repressiva, cometeu várias injustiças.

  • Sobrou alguma mágoa? Qual?

Sim. Acho que o excesso de repressão sexual (que infelizmente predomina na Igreja até hoje) contribuiu para que muitos de nós tivéssemos problemas nessa área. É um fardo difícil de carregar e que exige em vários casos anos de terapia para tirar das costas. 

  • Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por quê?  

Acredito que sim, especialmente para voltar a desfrutar do mesmo ambiente sadio e estimulante de estudo. Mas dispensaria a carga da religião, excessiva e sombria demais. 

  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?  

Descobrir que, apesar da dedicação, sinceridade e boa vontade de quem nos ensinava, a religião na grande maioria dos casos é um atraso de vida.

  • Se dedica à Igreja Católica atualmente? 

Não, apesar de vez por outra ir à missa numa igrejinha antiga do Centro Velho de São Paulo, apenas para matar saudade do cerimonial daquela época e principalmente da língua latina (nos fins de semana, há missa em Latim lá, com os rituais antigos e o padre voltado para o altar, não para quem está presente). 

  • Qual sua relação com a religião atualmente?  

Quase nula, em se tratando de religião organizada. Em alguns casos, acabo me interessando e pesquisando apenas por motivos profissionais.

  • Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual? 

A daquela época era ingênua e praticamente imposta pela família; a de hoje é mais consciente e individualizada, apesar de eu achar o termo “religiosidade” inadequado. Mas, como dizem os franceses, “faute de mieux”... 

  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?  

Decaiu muitíssimo, tanto em percepção do que ocorre no mundo quanto na insensibilidade quanto às mudanças constantes que ocorrem com as pessoas e em todos os setores da vida no planeta. No que mudou, mudou para pior: por exemplo, a “qualidade” da música que se ouve nas missas e outras celebrações hoje é francamente um motivo muitíssimo forte para passar longe de qualquer igreja. E o celibato forçado dos padres, com os casos de pedofilia etc.? Não é demais lembrar: The vow in celibacy of the Catholic priesthood came into effect in the year 1139. Prior to that year, Catholic clergymen were allowed to be married. The reason that the Catholic Church decided to institute the mandatory vow of celibacy was to prevent priests from willing their property to their wives and children, rather than to the Church, after they died. So, in effect, “Celibacy…is all about real estate” declared Ms. Louise Haggert, founder of CITI (Celibacy Is The Issue) and devout Catholic.(O voto do celibato no clero católico entrou em vigor em 1139. Antes daquele ano, sacerdotes católicos tinham permissão para casar. A razão pela qual a Igreja Católica decidiu instituir o voto obrigatório de celibato foi impedir que os padres deixassem em testamento suas propriedades para suas esposas e filhos, em vez de para a Igreja, depois que morressem. Assim, de fato, “Celibato.., é apenas uma questão de propriedade imobiliária”, declarou a Sra. Louise Haggert, fundadora da CITI (Celibacy is the issue ou Celibato é a questão), e católica devota) 

  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
São muito estimulantes e cumprem o papel de matar saudades num ambiente agradável. Além disso, ajudam a comprovar a excelência da educação e cultura que recebemos, pela verificação de que quase todos saímos de lá com bom preparo intelectual e moral e nos tornamos pessoas úteis à sociedade.

  • Alguma sugestão? 
Tentar incorporar depoimentos abrangentes ao máximo dos antigos superiores, ministros e professores ainda vivos sobre aquela época. Se houver de novo encontros no antigo Seminário, incorporar pelo menos cânticos em Latim às celebrações. O ritual da missa e de outras cerimônias da Igreja em Português é realmente de amargar, chega a lembrar programas de auditório de TV bem rastaqüeras. Seria bom que alguém da Igreja Católica lesse o que o sábio americano Joseph Campbell escreveu em O poder do mito sobre o abandono do latim e a “popularização” dos ritos católicos, que resultaram numa degradação talvez irreversível para sempre do encanto, do mistério e do significado deles.

  • Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?

A pergunta seria: Chegou a sentir dificuldades emocionais, sentimentais, sexuais e de adequação pessoal/social ao sair do Seminário? Pelo que aconteceu comigo e com outros colegas que relataram suas experiências, isso aconteceu em diferentes graus com cada um de nós e chegou até a provocar traumas em casos extremos. 

  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC? 

Continuemos a nos encontrar e a trocar idéias. O que vivemos juntos é algo muito precioso e de natureza muito particular, foi vivido em um mundo exclusivamente masculino e, por isso, só entre nós pode ser compartilhado e compreendido.

O entrevistado é o Vicente de Paulo Tallarico Adorno.


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    Postado por J.Reinaldo Rocha