Hoje começamos uma nova série neste "blog". A intenção é saber o que aconteceu com os colegas com os quais convivemos, lado a lado, durante um tempo de nossa juventude. O que eles fizeram depois? O que eles pensam hoje? Como veem o passado depois de tantos anos de "estrada"?
Tentaremos publicar uma entrevista ou depoimento a cada 15 dias. Isto dependerá do interesse que despertar. Por isso comentem a vontade. Seus comentários serão o "feedback" que impulsionará ou arrefecerá esta iniciativa.
Está aberto a comentários anônimos, porém solicitamos que, nestes casos, o comentarista se identifique.
Para começar escolhemos um profissional da imprensa. Ele deu respostas objetivas, claras, concisas e corajosas.
No final há a identificação do entrevistado. Leiam a entrevista e tentem adivinhar antes de saber quem é.
- Quando entrou para o ex-SIC
- De que cidade/paróquia?
- Por que entrou para o seminário?
- Quantos anos tinha quando entrou?
- Quando saiu do ex-SIC?
- Quantos anos tinha quando saiu?
- Por que saiu do seminário
Por ter chegado a um ponto em que não conseguia mais acreditar que tivesse vocação e por ter começado a sentir repulsa por religião organizada.
- O que aprendeu no ex-SIC
Disciplina, valores morais (principalmente éticos), respeito à hierarquia, conscientização da necessidade de se doar à sociedade e às pessoas, consciência plena do enorme valor que têm na vida a cultura e a educação.
- O que faltou aprender?
Mais Latim... e Grego, que nunca cheguei a aprender, infelizmente.
- O que fez depois que saiu? Estudou o quê?
- Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Trabalhei em diversos órgãos de imprensa, jornais (A Gazeta, A Gazeta Esportiva, Diário de São Paulo, Diário Popular, O Estado de S. Paulo), revistas, passei 11 anos na extinta Abril Cultural – Divisão de Fascículos e Livros da Editora Abril –, trabalhei 4 anos em Tóquio, na Nippon Hoso Kyokai (Japan Broadcasting Corporation) na Seção de Língua Portuguesa da Rádio Japão, em transmissões radiofônicas para o Brasil, e em seguida 20 anos na Rádio e TV Cultura de São Paulo, de onde saí em fevereiro de 2009.
- Trabalha ainda?
Sim, atualmente como free lancer nas áreas de jornalismo, traduções e produção de livros.
- Casou? Tem filhos? Netos?
Casado duas vezes, duas filhas do segundo casamento. Sem netos.
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC
A extraordinária competência dos superiores e orientadores – Monsenhores Bruno Nardini e Luiz de Abreu, Padres Oswaldo Vanin, José Gaspar e Ângelo Pedro Longhi –, dos nossos mestres nas salas de aula – especialmente Euclydes Senna e Luiz de Campos –, a dedicação das Irmãs que auxiliavam na nossa formação, o companheirismo e amizade de muitos colegas, alguns dos quais amigos caríssimos até hoje
- Cite um personagem com quem conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
O Padre Celso Queiroz (hoje bispo), que nos iniciou no conhecimento verdadeiro e no infinito prazer da música; o Padre Couto, que não tinha muito jogo de cintura e, em nome da disciplina e de sua obsessão repressiva, cometeu várias injustiças.
- Sobrou alguma mágoa? Qual?
Sim. Acho que o excesso de repressão sexual (que infelizmente predomina na Igreja até hoje) contribuiu para que muitos de nós tivéssemos problemas nessa área. É um fardo difícil de carregar e que exige em vários casos anos de terapia para tirar das costas.
- Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por quê?
Acredito que sim, especialmente para voltar a desfrutar do mesmo ambiente sadio e estimulante de estudo. Mas dispensaria a carga da religião, excessiva e sombria demais.
- Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
Descobrir que, apesar da dedicação, sinceridade e boa vontade de quem nos ensinava, a religião na grande maioria dos casos é um atraso de vida.
- Se dedica à Igreja Católica atualmente?
Não, apesar de vez por outra ir à missa numa igrejinha antiga do Centro Velho de São Paulo, apenas para matar saudade do cerimonial daquela época e principalmente da língua latina (nos fins de semana, há missa em Latim lá, com os rituais antigos e o padre voltado para o altar, não para quem está presente).
- Qual sua relação com a religião atualmente?
Quase nula, em se tratando de religião organizada. Em alguns casos, acabo me interessando e pesquisando apenas por motivos profissionais.
- Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
A daquela época era ingênua e praticamente imposta pela família; a de hoje é mais consciente e individualizada, apesar de eu achar o termo “religiosidade” inadequado. Mas, como dizem os franceses, “faute de mieux”...
- Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Decaiu muitíssimo, tanto em percepção do que ocorre no mundo quanto na insensibilidade quanto às mudanças constantes que ocorrem com as pessoas e em todos os setores da vida no planeta. No que mudou, mudou para pior: por exemplo, a “qualidade” da música que se ouve nas missas e outras celebrações hoje é francamente um motivo muitíssimo forte para passar longe de qualquer igreja. E o celibato forçado dos padres, com os casos de pedofilia etc.? Não é demais lembrar: The vow in celibacy of the Catholic priesthood came into effect in the year 1139. Prior to that year, Catholic clergymen were allowed to be married. The reason that the Catholic Church decided to institute the mandatory vow of celibacy was to prevent priests from willing their property to their wives and children, rather than to the Church, after they died. So, in effect, “Celibacy…is all about real estate” declared Ms. Louise Haggert, founder of CITI (Celibacy Is The Issue) and devout Catholic.(O voto do celibato no clero católico entrou em vigor em 1139. Antes daquele ano, sacerdotes católicos tinham permissão para casar. A razão pela qual a Igreja Católica decidiu instituir o voto obrigatório de celibato foi impedir que os padres deixassem em testamento suas propriedades para suas esposas e filhos, em vez de para a Igreja, depois que morressem. Assim, de fato, “Celibato.., é apenas uma questão de propriedade imobiliária”, declarou a Sra. Louise Haggert, fundadora da CITI (Celibacy is the issue ou Celibato é a questão), e católica devota)
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
São muito estimulantes e cumprem o papel de matar saudades num ambiente agradável. Além disso, ajudam a comprovar a excelência da educação e cultura que recebemos, pela verificação de que quase todos saímos de lá com bom preparo intelectual e moral e nos tornamos pessoas úteis à sociedade.
- Alguma sugestão?
Tentar incorporar depoimentos abrangentes ao máximo dos antigos superiores, ministros e professores ainda vivos sobre aquela época. Se houver de novo encontros no antigo Seminário, incorporar pelo menos cânticos em Latim às celebrações. O ritual da missa e de outras cerimônias da Igreja em Português é realmente de amargar, chega a lembrar programas de auditório de TV bem rastaqüeras. Seria bom que alguém da Igreja Católica lesse o que o sábio americano Joseph Campbell escreveu em O poder do mito sobre o abandono do latim e a “popularização” dos ritos católicos, que resultaram numa degradação talvez irreversível para sempre do encanto, do mistério e do significado deles.
- Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
A pergunta seria: Chegou a sentir dificuldades emocionais, sentimentais, sexuais e de adequação pessoal/social ao sair do Seminário? Pelo que aconteceu comigo e com outros colegas que relataram suas experiências, isso aconteceu em diferentes graus com cada um de nós e chegou até a provocar traumas em casos extremos.
- Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Continuemos a nos encontrar e a trocar idéias. O que vivemos juntos é algo muito precioso e de natureza muito particular, foi vivido em um mundo exclusivamente masculino e, por isso, só entre nós pode ser compartilhado e compreendido.
O entrevistado é o Vicente de Paulo Tallarico Adorno.
Gostou?
Deixe seu comentário. Qualquer que seja.
Postado por J.Reinaldo Rocha
Caro JReinaldo Rocha, mentor dessa inovação no EX-SIC. Você deve conseguir o que eu até agora não consegui, fazer algo mais sólido e interessante. Espero que os EX-SIC entendam e correspondam. Essa entrevista foi muito boa, melhor que aquela que vc tentou comigo. Dá até vontade de meter o bico em algumas coisas que o entrevistado disse, contra argumentando algunas coisas que penso diferente. Acho que vc deve repetir as mesmas perguntas para outros e dar uma possibilidade de comentários sobre a entrevista.
ResponderExcluirGrego
Olá, Rocha,antes de tudo, boa Páscoa para você e para o entrevistado também...!
ResponderExcluirGostei dos comentários ou da análise-resposta do Talarico. Lembro-me quando ele entrou para o seminário. Eu já estava lá. Há umas coisinhas ou outras que eu não concordo, mas são seu ponto de vista e, só por isso devo respeitar, pois é seu direito de pensar e concluir assim. No entanto, é empolgante seu modo de analisar positivamente o quanto o seminário deixou marcas boas em sua vida. Admiro seu gosto pelo latinório da igreja, a ponto de, ainda hoje, procurar assistir a uma missa ainda tridentina(ui! falei besteira?) Quam bonus est audire te, Talarice! Vale!
Sou suspeito para fazer comentários a respeito da entrevista com o Vicente, já que tenho tido a oportunidade de conviver com ele pelo menos a cada 2 meses, nas nossas pizzas em São Paulo. Respeitada a individualidade (seria pleonasmo dizer de cada um)gosto da forma clara de se expressar do entrevistado e da forma lúcida de encarar as coisas da religiosidade (como disse).Mostra um certo saudosismo de que também eu sofro: Música (canto gregoriano e a citação do Dom Celso Queiroz), latim, e por que não dizer a nossa língua portuguesa respeitada e cultivada.
ResponderExcluirGrande iniciativa.
Abraços a todos.
Caríssimos,
ResponderExcluirBelíssima entrevista. Justamente pelo fato de abrir a possibilidade de tornar público muita coisa do que cada um descobriu até agora, o que vem compor a sua “verdade particular”, justamente diferente de todos os outros, eis que somos, antes de mais nada, “in-divíduos” com experiências e vivências absolutamente únicas.
Ao Rocha meus parabéns pela iniciativa e ao Vicente pela clareza das idéias. Estou aguardando ansiosamente a próxima publicação. Tenho até uma listinha de personagens dos quais gostaria de saber suas crenças, mas vou aguardar a vez de cada um deles.
Um grande abraço,
Cláudio Natalício
Gostei da entrevista. Ela reflete a experiência, mutatis mutandis, de muitos de nós, que passamos pelo seminário. Lembro-me que, um dia, eu, em Fortaleza (Ce) coordenando a primeira experiência de um ciclo básico comum para os diversos cursos da universidade, reencontrei-me com o antigo Pe. José Fernandes Veloso, que me recebeu em Petrópolis (depois iria eu para Campinas). Ele aí já era bispo e reitor da Universidade Católica de Petrópolis. A essa altura confessei ser talvez até ateu, porque nem à missa eu ia. Ele sorreiu e disse o que escutara de muitos sobre meu trabalho na universidade. E me mostrou o quanto tinha eu apreendido da formação do seminário (em Petrópolis e em Campinas).
ResponderExcluirHoje, nesta semana santa, vi que Dom Veloso tinha razão. Emocionei-me com as vigílias pacoais e fui perabenizaqr o celebrante. Saudades dos superiores Mons. Luiz de Abreu, Padre Vanin, Pe. Comblin e os colegas cuja imagem guardo comigo.
Gostaria de rever os colegas. Tive recentemente mais um acidente cardiovascular. Em espírito, estou aí com vocês.
Saudoso,
Marcondes Rosa de Sousa
marcondesrosa@terra.com.br
ROCHA: GOSTEI DAS PERGUNTAS,PELA SUA OBJETIVIDADE
ResponderExcluirE TAMBEM PELOS COMENTARIOS DOS COLEGAS.E TENHA CERTEZA QUE SERA EM VERDADEIRO "FEEDBACK".
DURVAL(63/65)
ROCHA: GOSTEI DAS OBJETIVIDADES DAS PERGUNTAS E
ResponderExcluirDAS RESPOSTAS DO ENTREVISTADO.
QUANDO ENTREI NO SEMINARIO(1963) O ADORNO JÁ HAVIA SAÍDO;MAS NÃO MUDOU MUITO NÃO.
MAS TENHA CERTEZA QUE SERÁ UM VERDADEIRO
"FEEDBACK" ESSA MANEIRA DE CONHECERMOS MELHOR
NOSSOS COLEGAS EX-SEMINARISTAS.
DURVAL (63/65)
Muito interessante a entrevista , tenho algumas discordâncias. Entretento esta iniciativa é muito positiva.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Wilson Fonseca
Antes que chegue a próxima entrevista penso que tudo o que o Vicente disse merece alguma reflexão maior. Primeiro gostaria de lembrar, ou melhor, não nos esquecer que o Sistema Tridentino de Seminário já não existe mais. Mas somos o resultado, que ainda resta dele. A resposta do Vicente à pergunta: O que aprendeu no SIC, resume tudo o que ficou perene para nós mas abandonado pelo novo mundo. Pórem, algumas coisas me parecem ter sido mal colocadas pelo Vicente, respeitando a opinião dele. A que me pareceu mais estranha foi sobre a repressão sexual, como ele se refere. Fico pensando que, no caso dele, entre 11 e 14 anos, que liberdade sexual então deveria ter sido permitido? Considerando ainda que nessa idade mal se sabe sobre sexualidade. Talvez, em 1959, eu fui de 1965, teria havido alguma prática de "lavagem cerebral", querendo associar sexo a pecado.... Eu, p. ex., nos primeiros sintomas sexuais de adolescente, me esclareci com os amigos e em alguns livros como O Brilho da Mocidade, O moço de caráter, que tinham lá, sei hoje, seus pontos de vista meio estranhos, mas não escondiam os fatos que deveriam acontecer na adolecência. A despeito do que pensam sobre problemas sexuais em internatos e inclusive muita coisa que andou acontecendo por lá nesse campo, foram coisas que continuam acontecendo hoje, em qualquer canto da sociedade: clubes, escolas, empresas. Então, não podemos rotular os Seminários como seio de repressão ou desajustamento sexual. O segundo parecer do Vicente que me deixou perplexo foi rotular o ritual da missa como pior que programa de auditório, dos bem ruins. Sinceramente, vou a missa regularmente, mas também não consigo me encaixar no ritual, que hoje vem em folhetos. Mas estão lá 4 leituras dos livros que fizeram a história e doutrina da sociedade religiosa. O ritual do ofertório e consagração são bons momentos de reflexão de um mistério, que talvez hoje coloquemos em dúvida, mas me desculpe Vicente, igualar a programa de auditório é demais... Verdade sim, que as outras rezas são maquinais e passam batidos e os hinos são "profanos", inclusive os instrumentos musicais que denunciam que "o povo exige" mais diversão que meditação e a Igreja não tem mais por onde sair senão oferecer. E o celibato, é uma opção da Igreja, como organização privada. Ela está acordando agora, em aceitar Diáconos, como padres em segundo nível. No mundo há milhões de celibatários, inclusive milhões de casais que já não pensam em sexo, portanto a Igreja não precisa abolir o celibato mas voltar a correr novamente atrás de VOCAÇÕES e preparar melhor os seus seminaristas para manter um clero voluntário e cumpridor das regras. Se não conseguir, baixa para o segundo escalão mas continua a vida na comunidade. Isso deveria ter sido feito já com os nossos ex-padres, que depois de grande formação foram abominados completamente. Bem, como terminou o Vicente: só nós, entre nós, ainda podemos tentar entender tudo isso... esse é um espaço de diálogo que vale a educação do futuro.
ResponderExcluirGrego, josé cláudio (SIC-1965-1973)
Que comentário fazer agora além da tristeza pela perda do Adorno.
ResponderExcluirtínhamos combinado de irmos juntos a uma missa nos moldes antigos como tanto ele defendeu.
Nossa pizzas não serão mais como antes.
Gessé
Que comentário fazer agora além da tristeza pela perda do Adorno.
ResponderExcluirtínhamos combinado de irmos juntos a uma missa nos moldes antigos como tanto ele defendeu.
Nossa pizzas não serão mais como antes.
Gessé