Quando lembro-me dele imediatamente me ocorre a habilidade que ele tinha para o jogo de "pingue-pongue".
Como
a totalidade dos nossos entrevistados, ele reconhece os benefícios de
ter frequentado o seminário e ter participado daquela comunidade.
Se
eu disser o seu apelido fica muito fácil para qualquer leitor saber
quem é este nosso colega.
O apelido será revelado apenas na última linha da entrevista.
Quem preferir arriscar um palpite pode procurá-lo nesta foto.
O apelido será revelado apenas na última linha da entrevista.
Quem preferir arriscar um palpite pode procurá-lo nesta foto.
- Por que entrou para o Seminário?
Sou
descendente de famílias tradicionalmente católicas da cidade de
Monte Mor, paróquia Nossa Senhora do Patrocínio, numa época em que
já se nascia católico. Do lado paterno “família duarte de
medeiros”, portugueses; do lado materno “fernandes de campos”,
espanhóis. Fui educado religiosamente numa época em que se fazia o
exame de consciência segundo os mandamentos da Lei de Deus e da
Igreja. Desde criança frequentava a catequese e não faltava à
missa aos domingos e festas religiosas.
Sei
que meus pais queriam ter um padre na família. Eu, propriamente não
sei o que me levou para o seminário. Sei que a decisão foi minha.
Minha mãe dizia que foi a partir de orações a Nossa Senhora
Aparecida, por ocasião de problemas de saúde de uma de minhas
irmãs. O fato é que, a partir do momento que manifestei o desejo de
entrar para o seminário, minha mãe contou ao Cônego Cyríaco e ele
pediu que eu começasse a frequentar mais a missa e ser coroinha,
pois ainda não tinha concluído o Curso Primário.
- Quando entrou para o Seminário? Quantos anos tinha quando entrou?
Após
o primário em 1959, fiz a Preparação para a Admissão ao Ginásio
(1.º Grau) e já ingressei na 1.ª série, com 11 anos, em 1961.
Acredito
que adaptar-me à disciplina e vida de oração do seminário não me
foi muito difícil. Mais difícil foi a separação dos pais e irmãos
e acostumar-me a um ambiente social bem diferente daquele em que eu
vivia. Porém, aos poucos, os colegas passaram a ser meus novos
“irmãos”, pela amizade e coleguismo. Hoje, fico pensando as
dificuldades de adaptação de alguém como eu, que saiu de uma
família simples, acostumado a um ambiente rural e, de repente, é
lançado num colégio interno totalmente diferente da vida de
liberdade do campo em que vivia, pois, o seminário em 1961 ainda
tinha todo o rigor de antigamente: horários para tudo – estudo,
oração, recreação; para dormir e levantar; salas específicas
para receber as visitas uma vez por mês; horários de silêncio
absoluto como na capela, refeitório, entradas e saídas das salas de
aulas; leituras da vida dos santos durante as refeições; horário
de leitura espiritual, missa e reza do terço, diariamente.
- Por que saiu do seminário?
O
ginásio transcorreu normalmente sem levantar muitas questões a
respeito da minha vocação. Certa vez, já no Curso Clássico fui
aconselhado pelo Pe. Vanim a deixar. Vocês devem se lembrar do
exemplo clássico da “caneta”, que ele usava para dizer que
alguém não dava para ser padre: pegava uma tampa de caneta bic e
outra de carga de tinta e dizia que uma não combinava com a outra
caneta e apontava as nossas falhas. No entanto, o reitor não
concordou e eu permaneci, passando pelas experiências de abertura de
seminário que aconteceram após o Concílio Vaticano II, dizia ele,
que eu era muito tímido para ser padre. No entanto, o Monsenhor
Bruno não concordou e eu acabei permanecendo. Sabiam que o modelo de
seminário até então existente não se sustentava mais frente às
mudanças sociais que exigiam uma nova formação do padre.
Em
1967 a minha turma que já estava bastante diminuída, de um total
que se iniciou em 1961, com 63 alunos, apenas alguns fizeram o 3º
ano clássico no Colégio Pio XII. Lembro-me de que éramos atração
pelo nosso bom comportamento. Desse tempo, tenho saudades das aulas
do Prof. Aquino de Português. Estudamos três volumes da literatura
brasileira num só ano. Ele conseguia a atenção completa dos
alunos, não só pelo sotaque português que ostentava, mas
sobretudo pela didática, oratória e pelos grandes conhecimentos.
Talvez tenha vindo daqui o desejo de cursar Letras mais tarde.
Em
seguida, com exceção do Wilson Caritá, que foi para o Curso de
História, passamos a cursar Filosofia na PUCC e fomos morar na casa
paroquial do Cônego Antonio Roccato, da Paróquia Nossa Senhora das
Graças, no bairro Vila Nova em Campinas. Tivemos inicialmente o Pe.
Hercílio Turco, hoje bispo, como orientador espiritual, depois o
próprio Cônego. Acho que lá permanecemos dois anos. Depois, nos
reunimos com a turma anterior na casa da esquina do Colégio Pio XII,
tendo o Pe. Arlindo de Nadai como orientador espiritual.
Com
as novas experiências a minha vocação se voltou mais para ser
professor do que para ser padre. Desde o primeiro ano da Faculdade de
Filosofia, passei a lecionar Português, ainda como aluno, no Colégio
Nossa Senhora das Dores, em Artur Nogueira, dirigido pelo pároco da
cidade, Pe. Edson, juntamente com os colegas: Eduardo e Mateus. Ao
terminar a faculdade, praticamente todos já tínhamos tomado uma
decisão, nenhum em direção ao sacerdócio. No penúltimo ano de
Faculdade, já havia sido extinta a casa dos seminaristas e alguns
passaram a morar em república. Depois de terminada a Filosofia,
praticamente não havia campo de trabalho no Ensino Médio: as aulas
de Filosofia, Sociologia e Psicologia haviam sido retiradas do
currículo do Ensino Médio por causa da ditadura militar. O período
em que cursamos a Filosofia havia sido muito agitado, fora e dentro
da universidade: período de efervescência política, repressão,
discussão do sistema educacional, fora, greves dos trabalhadores;
dentro da universidade greve apoiando a uns professores e rejeitando
a outros, pelas posturas que tomavam frente aos acontecimentos
internos e atos do governo.
- Qual sua trajetória profissional após a saída do Seminário?
Com
mais dois colegas professores montamos, em 1972, um Curso de Madureza
Ginasial (1.º Grau – 2.º ciclo) em Monte Mor que funcionou por
dois anos. Nesse tempo já estava também cursando Letras. Trabalhei
ainda em escritório em Campinas e na Prefeitura de Monte Mor. Mas, a
partir de 1977, iniciei carreira no magistério como professor de
Português. Depois, em 1984, cursei Pedagogia, fui Diretor de Escola,
Supervisor de Ensino e aposentei no início de 2009.
- Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
O
seminário fez toda a diferença em minha vida. De lá veio a base
dos meus conhecimentos, a possibilidade de continuidade dos meus
estudos primários, a disciplina, os valores humanos e cristãos que
levarei por toda a minha vida.
- Casou? Tem filhos? Netos?
Casei
em 1979. Tenho um casal de filhos: a Taís e o Fernando e um netinho,
o Davi.
- Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Acredito
que muitos professores do seminário deixaram as suas marcas em minha
personalidade pelo respeito, atenção e dedicação. Porém, o
Monsenhor Bruno foi o que mais marcou. Por trás daquela seriedade na
disciplina e zelo pelos seminaristas havia muita dedicação, vontade
de acertar, senso de justiça, consideração pelos mais humildes.
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de Seminário?
Recordações
boas do seminário tenho muitas: os dias de festas, os passeios à
Fonte Sônia, os jogos da seleção, os campeonatos de futebol e de
tênis de mesa, o “Corinthinha” criado pelo saudoso Paulo Afonso
Passarinho, os filmes aos sábados, as sessões do Grêmio e da
Academia Literária, as amizades, sobretudo dos colegas da mesma
turma, a ajuda mútua nas sessões de estudo.
- O que aprendeu no Seminário?
Não
me arrependo de ter passado a minha adolescência no seminário e
muito menos as experiências que vieram depois. Para as
circunstâncias da época foi muito bom. Dele aprendi muito,
sobretudo, o gosto pela aprendizagem, pelo estudo e pelo ensino: o
que fez toda a diferença na sequência da minha vida.
- Se voltasse no tempo iria novamente para o Seminário? Por quê?
É
muito difícil responder sobre suposições, quando já se está
vivendo em outra situação. Acredito que na época e para as
condições em que eu vivia a experiência foi ótima.
- Dedica-se à Igreja Católica atualmente? Qual sua relação atual com a religião?
Nunca
deixei de frequentar a Igreja, até mesmo porque a ela devo muito da
minha formação. Na Paróquia N.Sra. do Patrocínio já participei
da Pastoral do Crisma, do Batismo, fui Ministro da Palavra. Hoje
participo da formação de leitores e estou fazendo um Curso de
Estudos Bíblicos, aos sábados, na PUCC.
- Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Acho
que a religiosidade da época de seminário era massificante, no
sentido de ser imposta, não dar oportunidade de escolha. Não sei
também o que aconteceria se fosse diferente. Hoje se frequento a
igreja, se participo de alguma ação litúrgica ou pastoral é por
decisão própria. Acho que a Igreja, mudou um pouco, após o
Concílio, em relação à participação do leigo na liturgia, nas
pastorais, mas ainda carece bastante do testemunho e da ação no
campo social e de líderes autênticos que vivam no dia-a-dia o
testemunho evangélico. As mudanças estruturais são muito lentas.
Na prática, muito se fala, mas pouco se faz
- Sobrou alguma mágoa? Qual?
Não!
Acredito que, por temperamento, não sou uma pessoa de guardar
mágoas. Acho que guardar mágoa não faz bem a ninguém. As mágoas
são como as nódoas, devem ser diluídas logo que acontecem. Só
permaneceram as boas recordações.
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas, tanto os de seu tempo como os do Ex-SIC?
O
reencontro dos ex-sic para mim é um resgate de uma fase boa de
nossas vidas: recordar os bons momentos é de certo modo revivê-los.
Por isso, parabenizo os colegas que trabalham e se esforçam para que
estes aconteçam. Não vou citar nomes, porque correrei o risco de
omitir alguns que se dedicam a esta nobre tarefa.
- Alguma mensagem especial aos demais ex-colegas de seminário?
A
todos os ex-colegas, especialmente aos de minha turma, um profundo
agradecimento pelos bons momentos de convivência, de diversão, de
amizade sincera, de crescimento juntos. Que Deus continue
abençoando-os sempre. Um abraço fraterno a todos.
José Carlos Duarte (Cutia)
Aí está o testemunho de alguém que deu continuidade à formação recebida no seminário, mesmo fora do sacerdócio a que tinha se proposto.
E
esta diversidade de rumos que temos observado nos nossos
entrevistados é uma riqueza nada desprezível. Seu comentário é
sempre bem vindo para entendermos e aprendermos a conviver com a diversidade de pontos de
vista.
Quem souber a origem e o motivo do seu apelido (Cutia) também está instado a escrever um comentário explicando, pois nem ele mesmo sabe.
Só não esquecer de identificar-se caso comente como anônimo
Quem souber a origem e o motivo do seu apelido (Cutia) também está instado a escrever um comentário explicando, pois nem ele mesmo sabe.
Só não esquecer de identificar-se caso comente como anônimo
Quer dizer então que o Pe. Vanin queria mandar você embora? Pois é, estou vendo que ele queria mandar todo mundo embora. Convivi com ele por um ano, o último dele, em 1965 e o admirava pelo porte atlético, pela liderança e por algumas coisas que me diziam que ele estava modificando, mas só agora entendo certa frieza do pessoal para com ele e vejo que era por essa enigmática forma de analisar quem tinha ou não vocação e por fim parece que ele mesmo decidiu que não tinha. Não é aqui crítica pessoal, pois fiz de tudo para que ele comparecesse a dois dos nossos encontros. No primeiro, em Indaiatuba, ele ficou meio deslocado e eu notei certa animosidade, melhor dizendo, o pessoal parecia meio constrangido em conversar com ele. Mas consegui que ele voltasse no 2o. encontro no SIC e então, ao receber a placa de homenagem ele abriu o coração e até pediu desculpas...a qual o Sibinelli, apresentador, rebateu com propriedade: não há porque e sobre o que pedir desculpas... e o Pe. Canoas completou: os frutos foram bons. Vejam tudo na nossa seção de vídeos aqui no site.
ResponderExcluirE você Cutia, é o meu espelho, tudo o que me aconteceu, desde a origem rural e as próprias recordações são por mim sentidas como você sente.
E sentimos um natural prazer de ter feito parte de uma grande Comunidade cheia de ações e vida.
A diferença é que você a deixou ainda meio no auge e eu fiquei ainda na amargura da incerteza por mais 5 anos....mas no fim o Pe. Canoas tem razão: os frutos foram bons...
abç
Grego
Olá Grego! Obrigado pelos comentários. Os anos de seminário marcaram a todos nós, felizmente de modo positivo, penso eu. Embora poucos tornando-se padres, nem por isso os frutos em outras áreas do conhecimento e de atividades foram pouco produtivas. Acredito que cada um deu e continua dando a sua contribuição para um mundo melhor.
ExcluirUm abraço.
José Carlos (Cutia)
Boa noite, José Carlos Duarte...
ResponderExcluirPara todos que tivemos o privilégio de tê-lo como contemporâneo, inesquecível Cutia!
Na minha entrevista disse textualmente sobre você, quando citava alguns personagens que me marcaram "POSITIVAMENTE, SIM SENHOR": "O Duarte com seus "causos" de pescaria da sua Monte- Mor... da sua canhotinha no jogo de pingue pongue"... Lembra que quando chegava sua vez de jogar contra o saudoso Côn.Luiz de Campos, ele trocava a raquete de mão? Disse apenas isso para não me alongar tanto na época. Agora acrescentaria o seu jeitinho quieto, sua educação requintada, adquirida desde o seu berço de origem humilde...
Agora tenho a felicidade de ler sua entrevista... palavras carinhosas de agradecimento por tudo que lhe foi dado como suporte para sua trajetória profissional e de homem de bem. Seu jeitinho matreiro lhe inspirou a assimilar e a colocar tudo em prática.
Talvez não se lembre mais de mim... foram apenas dois anos de convivência... e já são vai meio século de que tudo aconteceu... Mas eu gostava muito de me acercar de você... semelhantes se atraem... e também tenho a ventura de ter nascido em berço bem humilde.
Cutia, escrevemos juntos por dois anos algumas páginas da história do nosso Ex-SIC... você apesar de alguns dissabores revelados, ajudou a escrever outras.
Tenha a certeza Caro Cutia... todas as páginas redigidas pela pena de sua caneta desperta orgulho da instituição da qual tivemos a felicidade de fazer parte.
Que Deus continue a cumulá-lo de bençãos... que encontre sempre o carinho de seus familiares e de todos os que o cercam.
Eu daqui que tive em toda a minha vida lembrança dos colegas especiais como você, vou continuar torcendo pelo êxito de todos os empreendimentos que se propuser a edificar.
E quem sabe a gente poder marcarmos um dia para nos revermos e quem sabe retornarmos aos longínquos 1961 e 1962.
Fortíssimo abraço
José Fernando Crivellari
fernando.crivellari@ig.com.br
(19) 97277177 / (19) 38716190
Olá, boa tarde, caro Duarte, eu o chamava assim no seminário, sempre evitando os apelidos, mas no fundo Cutia tinha o incremento de um nome, pois era um apelido carinhoso.
ResponderExcluirGostei imensamente de sua entrevista. Estava achando falta de você nas entrevistas.
Há dados que somente agora fico sabendo. Eu também, por duas vezes fui questionado sobre minha vocação, nas duas vezes Mons. Bruno me deu a mão e me segurou e assim eu pude continuar até onde consegui. Veja como nós temos pontos em comuns e isto nos irmana profundamente. Entrevista bonita, ponderada, cheia de sabedoria. Lembro-me de sua entrada para o seminário e de sua evolução até alcançar a recreação dos maiores. Convivemos até o ano em que fui para o Seminário Central do Ipiranga. No seminário, os apelidos surgiam assim, sem muita explicação, às vezes por uma brincadeira, outras vezes relacionados a um jeito de ser do indivíduo... assim você se tornou o amigo Cutia e hoje ainda é carinhoso chamá-lo assim.
Um abraço, amigão, e até um próximo encontro.
Lúcio Inácio da Rosa
6 de maio de 2012 14:29