Hoje retomamos as publicações desta série de entrevistas apresentando mais um agregado (vindo de outra diocese)
. Se eu escrever que foi trazido pelo irmão Lima garanto que muitos já saberão de quem se trata.
Mas, antes de revelar sua identidade, sugiro que leiam com atenção a trajetória deste nosso colega e percebam os mesmos turbilhões de auto-questionamentos e dúvidas dos quais muitos de nós fomos acometidos em algumas fases de nossas vidas.
- Quando entrou para o ex-SIC?
No ex-SIC entrei em 1969 levado pelo então irmão Lima, que depois se ordenou sacerdote. Ele era irmão coadjutor aqui no Rio de Janeiro, no seminário jesuíta chamado “Aluisianum” onde estudei do Admissão à quarta série ginasial (1961 a 1965).
Nasci no Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca (morro da Formiga) em 28/06/1948 e na minha infância fui coroinha na Paróquia de São Cosme e São Damião, já no bairro do Andaraí, no morro do mesmo nome, onde morei por 5 anos antes de ir para o seminário dos jesuítas.
- Por que entrou para o seminário?
O meu irmão mais velho, Sebastião, hoje já falecido, trabalhava como menor na gráfica da Revista Mensageiro do Coração de Jesus, onde o irmão Lima era diretor. O irmão Lima decidiu ajudá-lo levando-o para o seminário para que pudesse estudar. Um dia, indo em minha casa, me conheceu e também resolveu me levar para o tal seminário. Meu irmão saiu no ano seguinte e eu continuei até a quarta série. O irmão Lima costumava dizer que eu o convenci depois de um “olhar para ele” com tanta penetração que ele viu em minha alma, com apenas 11 anos, que eu tinha algo de “angelical” e “formosura” que devia ser melhor lapidado.
- Quantos anos tinha quando entrou?
Nos jesuítas entrei com 12 anos e no ex-SIC já estava com 20 anos.
Depois que saí dos jesuítas fiz os dois primeiros anos do Colegial e servi o exército na Brigada Aeroterrestre (com 17 anos porque esta tropa aceita voluntários com esta idade). Fui paraquedista militar e civil por 2 anos e 11 meses saindo como Cabo – para ir para Campinas a convite do irmão Lima. Eu aceitei porque alguma coisa me dizia que precisava estudar melhor a minha vocação – mesmo sem a aprovação de minha mãe: ela achava que eu estava desperdiçando oportunidades de ouro naquele momento da minha vida.
Eu fiz o 3o Clássico em 1969 e dois anos de Ciências Sociais na PUCC saindo em 1971, mas ainda fiquei um ano na cidade morando com alguns seminaristas que saíram na mesma época: José Roberto, Luiz Aparecido Bertazi, o ex-padre Jorge (Onça) em um breve período e mais três amigos (leigos). Depois consegui transferência para a Universidade Federal Fluminense (UFF) onde terminei os estudos.
- Por que saiu do seminário?
Depois de um pequeno período no seminário Imaculada eu percebi que realmente não era a minha vocação. As apelações do mundo exterior falaram mais alto. Eu estava também um pouco decepcionado comigo mesmo, com alguns amigos, com alguns religiosos – e esse somatório de decepções e apelações foram mais fortes...
- O que aprendeu no ex-SIC? ou faltou aprender?
No ex-SIC só aprendi coisas boas. Conheci a simplicidade em alguns, a humildade em outros, a força de vontade, a religiosidade da maioria, o carinho com que todos me tratavam – acho também por eu ser carioca: senti que todos gostavam de mim, do modo de falar, dos meus valores, da minha experiência de vida, enfim, fui muito feliz ao lado dos que estavam ali naquele momento da minha vida.
Nós nunca aprendemos tudo! Mas para o período que vivi no SIC aprendi o que tinha que aprender mesmo: me tornei mais altruísta, mais generoso, a viver em grupo, partilhar, respeitar as diversidades, passar adiante nossos conhecimentos religiosos, atuando num grupo de jovens pobres da periferia (JUBA – Juventude Unida Baseada no Amor). Profissionalmente trabalhei na Cáritas Arquidiocesana (dentro do SIC) onde aprendi muito – inclusive tive a oportunidade de fazer um curso de Secretário Executivo para atuar melhor com as obras sociais filiadas.
- O que fez depois que saiu?
Continuei na PUCC até o fim do ano, morando numa república (que já mencionei acima), trabalhando como inspetor de alunos no Pio XII. Pedi transferência para o Rio e fui terminar meu curso de Ciências Sociais na UFF (Federal Fluminense) onde me formei em 1976.
- Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
No Rio de Janeiro, depois que tirei uma “autorização provisória para lecionar”, dei aulas de Geografia e História em vários colégios particulares. Consegui dar aulas por 20 anos no mesmo colégio em que fiz o seminário jesuíta – Colégio Santo Inácio (de 1973 a 1993). Em 1993 entrei para o colégio Salesiano (na mesma rua onde moro até hoje) e me aposentei em 2002. Mas, em 1988 fiz concurso para o magistério municipal: como em 1990 tive um enfarte fui afastado de sala de aula e me mandaram trabalhar na secretaria de uma escola pública próximo à minha residência, onde estou até hoje.
- Casou? Tem filhos? Netos?
Acho que fui um pouco apressado! Me casei em 1973 com Marly Jorge Verly de Oliveira. Tive 3 filhos (Flavia, Sergio e Marcelo – todos bem encaminhados na vida) e 7 netos: o mais velho já tem 12 anos. A Marly eu já namorava antes de entrar no SIC, inclusive me visitou (apenas visitou) por duas vezes em Campinas, acompanhada de minha mãe. Infelizmente descobri que o casamento também não era a minha vocação. Me separei em 1983 mas até hoje mantenho uma relação bastante amistosa com minha ex e meus filhos e netos – “graças a Deus”! Vivi uns dois meses numa pensão e, depois que conheci um amigo que morava sozinho e precisava de alguém para ajudar a dividir as despesas, fui morar com ele e estamos dividindo o mesmo espaço há 29 anos. Foi padre Lazarista, um amigo verdadeiro, hoje com 89 anos, com Alzheimer, precisando mais do que nunca da minha presença.
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
São tantas as lembranças! Muitas coisas vão se perdendo com o passar do tempo. Lembro-me bem, por exemplo, de um passeio a Itanhaém onde ficamos quase o dia todo em Mayrinck para fazer baldeação. Lembro desta passagem porque no Seminário eu vivia muito separado do grupo (morava na ala dos padres) e num passeio a socialização sempre é muito intensa; o contato cara-a-cara é prazeroso e aproxima mais as pessoas. Lembro-me também de uma noite que convidei alguns “ditos menores” para irmos ao cinema pois eu tinha as chaves da portaria. Na volta o monsenhor Bruno estava nos esperando, me passou tremendo pito e me tomou as chaves. Outra coisa que lembro foi o incentivo que o Daólio me deu para treinar no seu fusca (verde) e depois tirar a carteira de motorista – isso me valeu muito. Não sei se o Daólio reparou mas até hoje gosto muito dele.
Mas guardo comigo algumas passagens que me decepcionaram muito – que prefiro não mencioná-las - talvez tenham ajudado na minha decisão sobre continuar ou não estudando minha vocação.
- Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Positivamente quase todos, mas sempre tem aqueles que conviveram mais de perto ou que por algum motivo mereceram ficar guardados no coração: o José Roberto Andrade dos Santos e o Pedro Boldorini (Pedrão) foram mais que irmãos para mim; o Luiz Aparecido Bertazi (na república) passou comigo momentos tão difíceis – e conseguimos superar um por um com coragem; não posso deixar de mencionar aqueles que se identificaram mais comigo como o Grego, Talpo, Alcides Cantelli, Carani, Pitoli, Pilon, Bressan, Sibinelli, Fadel, Zóquio. Guardo de cada um passagens que por algum motivo me marcaram.
- Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
Acho que sim. Depois que saí do seminário andei buscando uma série de respostas para alguns problemas mal resolvidos – e foi lá que ficaram as respostas – tenho certeza.
- Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
Quando entrei no SIC já tinha 20 anos. O seminário serviu para corrigir alguns rumos que a minha vida tinha tomado depois que deixei o seminário jesuíta com 16 anos. Mas, como a formação jesuíta incutiu em mim muita disciplina, obediência e transparência, foi fácil conviver novamente numa comunidade religiosa.
- Se dedica à Igreja Católica atualmente? Qual sua relação com a religião atualmente?
Ainda me dedico. Tenho participado normalmente das atividades de minha paróquia onde sou Secretário da Congregação Mariana e comentarista na missa das 7h aos domingos. Não vejo nada de mal nisso, apesar de ter me tornado um cara muito cético; discordo de vários dogmas da Igreja. Mas isso fica entre mim e Deus!
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Super importante. Não é apenas uma volta ao passado. É reviver um período que foi importante em nossa vida. É rever aquela pessoa que um dia representou tanto na nossa formação. É pena que só pude participar de dois encontros. Ainda mais agora com o problema do meu amigo João que não pode ficar sozinho um dia inteiro, ficou mais difícil.
- Há algum outro endereço na internet que tenha mais informações sobre você?
Já participei do Orkut e do facebook, mas atualmente “tô fora”.
- Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Primeiramente quero externar minha gratidão pelo acolhimento que me dispensaram nas duas oportunidades que participei – tanto os que já conhecia e os que passei a conhecer naquele momento. Quero também agradecer a continuidade nas comunicações pós encontro com o Grego, o Rocha, o Aluizio, o Daólio e o Durval que, sem me conhecer pessoalmente, descobrimos termos muitas coisas em comum.
Sergio Verly de Oliveira
Fico muito contente em perceber que todos os agregados que passaram pelo ex-SIC e que nos contaram suas histórias até o momento, tenham sempre relatado o quanto foram bem recebidos e acolhidos. Isso em diferentes épocas e diferentes circunstâncias.
Gostaria de ler os relatos dos demais agregados que por lá passaram para saber se esse tratamento foi uma constante ou houve exceções. Estamos aguardando suas participações como entrevistados!
Eu enviei um convite para participar a todos os que estão com e-mail ativos em nossa lista de contatos. Portanto, se alguém não recebeu o convite para participar, comunique-se através do e-mail: ex.sic.1955@gmail.com
Enquanto elas não chegam, vamos comentar esta e as demais entrevistas já publicadas. Mais uma vez lembrando: se comentar como anônimo, identifique-se, por favor.
Semana que vem haverá mais.
Até lá.
J. Reinaldo Rocha(62-67)
Pois é Sergio. Sua entrevista por mim(e creio pelos demais também) era muito aguardada.
ResponderExcluirEstamos sempre nos comunicando virtualmente, e nossa amizade, podes crer, é muito importante.
Obrigado por mencionar me e concordo plenamente contigo quando diz que muitas interrogações por lá ficaram.
DURVAL 63-65.
Caro amigo Sérgio
ResponderExcluirTempos difrerentes, imensa distância física e outras diferenças não diminuem o grau da nossa amizade. Falamos do mesmo paraiso vivido em mesmo grau de sentimentos, de emoção e de saudades. Parabens e abraços sinceros.
Aluizio
Caramba! Não me lembro mesmo que você aprendeu a dirigir no meu fusquinha verde, 1965, o primeiro! Você falou mesmo, num dos e-mails que trocamos, que você me faria uma surpresa em sua entrevista ... e surpreendeu ... Afinal, conseguiu tirar a carta? Temos trocado e-mails quando achamos coisas interessantes para serem trocadas, em geral indicações de sites ou opiniões. Abraço. Obrigado.
ResponderExcluirSergio Verly chegou no SIC tbém pelas mãos do então Pe.Pessoto, que recem ordenado, ganhou um fusca 68, verde, de alguma organização na Alemanha e trabalhava visitando comunidades e as paróquias em busca de vocações para o novo sistema. E assim, com o Verly chegaram tbém o Pedro Boldorini, Luiz Bertazi, Pierri, Zezo David e outros. Verly chegou com aquela pinta de militar paraquedista. Vivendo no SIC, eu sempre me simpatizei com coisas disciplinadas e gostava de ouvir as histórias dele sobre a vida militar. O mesmo se dava com o Bertazi, que também havia deixado a FAB em Pirassununga. Só não entendia muito bem porque foram para lá, já em vias de decadência. Verly e Bertazi eram os dois mais participativos porque apareciam nos dormitórios nossos para conversas, jogavam futsal no campeonato, viam tv com a gente e apesar de terem privilégios que não tínhamos procuravam sempre estarem mais entre nós. O Versly já tinha experiência como seminarista e acho que se sentia mais a vontade entre nós. Falta mencionar o Zé Roberto, mas acho que ele foi algo mais especial, talvez nem tenha feito o PIO XII e parece que era algo com fora o Zóchio, Guedes e Lota. Todos moravam na ala dos padres. Algo interessante foi que de repente observamos as não raras visitas que uma moça fazia para o Verly. E logo ele abriu o jogo para nós, mais chegados, que ela fora sua namorada. Entendi eu, pelo menos, que ela ainda mantinha esperanças. Como tinhamos nossas confidências, isso foi algo que me levou a pensar mais seriamente na vocação. Eu admirava o Verly resistindo e insistindo no caminho religioso, mas dadas as circunstâncias daquela época eu não via muita esperança nem para ele e nem para nós e acho que ele percebendo isso deixou correr em banho Maria. Acabou casando-se com ela e bons frutos lhe renderam, apesar que com tempo já limitado.
ResponderExcluirSabem que não me recordo como encontrei o Verly no Rio? Talvez tenha sido dica do Zé Roberto.
Aliás foi o Zé quem acolheu as duas vindas do Verly em nossos encontros.
abç a todos voces da nova mas já entardecida era SIC.
Grego
Rio, 10/01/11
ResponderExcluirOlá amigos
Obrigado pelos comentários à minha entrevista.
Quem já respondeu sabe que dá vontade de responder tantas coisas mais...
Daólio: pois eu me lembro muito bem...
Eu comecei a ter aulas numa auto-escola e precisava treinar um pouco.
Você permitiu que usasse seu carro. Tirei a carteira de motorista em Campinas, antes de voltar para o Rio.
Achei sua atitude muito legal. Confiou em mim. Essas passagens marcam...
Dos religiosos que conheci ali no SIC me identifiquei mais contigo - acredite.
É sinal que você passava alguma coisa boa – com certeza.
Durval: já tive oportunidade de lhe falar que foi um “gostar à primeira vista!”
Não é com qualquer um que isso acontece. Principalmente quando não se conhece cara-a-cara.
Geralmente a amizade vai se conquistando pouco a pouco – conosco foi diferente.
Obrigado pela consideração. Obrigado pela sua amizade, por gostar de mim!
Aluizio: Na nossa passagem pelo seminário, praticamente vivemos as mesmas coisas.
Os tempos é que são diferentes e a intensidade também é diferente.
Mas, como você mesmo disse, isso não diminui o grau da nossa amizade.
Falamos do mesmo paraíso em que vivemos sentimentos, emoções e saudades.
Grego: no seu comentário você foi “fundo”, heim, rapaz!
Dos amigos do dia-a-dia do SIC, hoje você é o mais parecido comigo.
Eu sei que você ainda tem muitos “questionamentos”. Como eu disse, ainda não consegui resolver uma série de perguntas.
E assim vamos vivendo nossa “envelhecência” - é a fase da vida dos 45 aos 65 anos (quem me ensinou isso foi o Durval).
Afetuoso abraço em cada um de vocês, amigos,
saudades!
Sergio Verly
Boa noite, Sérgio. Realmente, não fomos contemporâneos no SIC, pois quando vc lá chegou, eu já estava na Teologia, no Central do Ipiranga.
ResponderExcluirVc viveu numa época muito mais light, pois no meu tempo, receber visita de mulher no seminário, kakakaka... seria excomunhão na certa! Achei interessante sua trajetória: Jesuíta(Santo Inácio de Loyola era militar, se não me falha na memória), portanto... uma vida bem inaciana. Vai, a seguir , para o exército, servir na Brigada Aeroterrestre e, depois vem para o Clero secular. Muito bem, gostei de sua entrevista e adorei seu senso crítico.
Até mais ver e um forte abraço do Lúcio.