Hoje publicamos a entrevista de uma pessoa diferente. Como a Margarida, ele deu aulas no ex-SIC
Nunca foi seminarista. Mas, nem por isso deixou de incorporar-se à comunidade, contar-nos sua história de vida e apresentar seus pontos de vista.
Recomendo enfaticamente a leitura das suas respostas. É uma leitura agradável (como ele sabe contar uma história!) e com a visão de alguém diferente de nós que tínhamos o objetivo de "ser padre". Portanto, leiam as histórias cativantes e os pensamentos de
Nelson de Luccas
- Quando começou a trabalhar no ex-SIC?
- Originário de que cidade?
- Porque aceitou trabalhar no ex-SIC?
- Que atividade ocupou no ex-SIC?
- Quando deixou de trabalhar no ex-SIC?
- Por que?
- Quantos anos tinha na época?
- Qual sua trajetória acadêmica antes e depois do ex-SIC?
- Qual sua trajetória profissional antes e depois do ex-SIC?
- Trabalha ainda?
- Casou? Tem filhos? Netos?
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
O começo:
Era início do ano letivo de 1967. Deveria ser, aproximadamente, vinte horas quando bateram à porta de minha casa. Centro de Monte Mor, casarão do século XIX, batentes enormes, paredes de taipa, teto coberto com telhas feitas nas coxas, sustentadas por vigas de madeiras moldadas a machado e enxó e caibros de coqueiro. O forro vergado pelo peso dos anos, parecia cair a todo instante. O piso assoalhado com tábuas largas e gastas formava frestas que engoliam moedas e os finos saltos dos sapatos femininos. O banheiro nojento exibia peças centenárias, amareladas e desgastadas pelos anos. As portas e janelas não conheciam chaves, eram fechadas com trancas e tramelas, outras vezes sustentadas pelo peso de uma cadeira. As vidraças armadas de cedro, há muito tempo divorciadas dos vidros, exibiam espaços vazios. Os cupins disputavam os últimos pedaços das madeiras que estavam por todos os lados.
Fui atender a porta. Não convidei para entrar os dois padres que ali estavam. Minha casa minha vergonha. Que bobagem, ali eu era tão feliz!
Monsenhor Bruno, tendo ao lado o padre Daóleo me diz:
-Boa noite. Queremos falar com o senhor Nelson de Luccas.
-Sou o próprio, respondi.
- Estamos precisando de um professor de História para trabalhar no Seminário da Imaculada de Campinas e estivemos na faculdade buscando um aluno do último ano. Por indicação do diretor, Cônego Amaury Castanho, estamos aqui para convidá-lo a trabalhar conosco.
Emudeci, um calafrio correu meu espinhaço. Eu, um caipira de Monte Mor? Indicação do diretor? Professor de um Seminário? Onde será isso?
Não sei como, mas disse sim. Recebi um cartão com o endereço, trocamos mais algumas palavras e nos despedimos. Petrificado ali permaneci por alguns minutos. Aos poucos meus sentidos voltavam a funcionar enquanto milhares de questões invadiam meu espírito.
Primeiro dia.
Terno preto, comprado numa promoção de final de ano das lojas Ducal – “Compre dois ternos e ganhe um relógio”- camisa branca com abotoaduras e gravata emprestadas de meu pai, sapato preto, sola meia vida, engraxado e lustrado e no pulso o relógio Leroy, daqueles de corda, que ganhei naquela promoção de natal do ano anterior.
No cabelo, brilhantina Glostora, num dos bolsos um lenço, em outro um pente Flamengo, uma caneta Parker 21 vermelha, uns trocados para a viagem, lá vou eu.
Minha mãe, como sempre me abraçou, deu o costumeiro beijinho, passou carinhosamente uma das mãos no meu braço e desejou boa sorte. O Toquinho, cachorrinho pequinês, deu dois latidos, acariciei-lhe os pêlos e saí. Andei dois metros e ouvi as palavras de mamãe: -Deus lhe acompanhe.
O ônibus de Monte Mor à Campinas fazia seu ponto final frente a um prédio situado no lado oposto da estação ferroviária da Fepasa, Atravessando a rua encontrava-se o ponto do circular, que cobria o trecho Bonfim-Swift. Chegou tão apinhado de gente que só havia um lugar para mim nos degraus da escada da porta. Literalmente só havia o espaço a mim e à alça de minha bolsa preta onde levava meus livros e minhas anotações. A porta fechou-se e a bolsa ficou espremida e do lado de fora e assim foi até o próximo ponto quando então desceram todos os passageiros exceto eu e um senhor de meia idade com cara de poucos amigos.
O circular parou na avenida. Desci e comecei a caminhar em direção à entrada. Cinquenta metros, aproximadamente, que me pareceram muitos quilômetros. Parei várias vezes com uma vontade louca de desistir. O coração não dava conta de tanto bater, afinal estava diante de um desafio que, embora fuja do entendimento humano, para mim representava romper meu fechado mundo para entrar noutro totalmente desconhecido.
Entrei.
Primeira aula.
Já havia ministrado aulas particulares a pequenos grupos de alunos e praticado nas aulas de didáticas. Não era, pois, totalmente analfabeto no assunto, mas mesmo assim o pavor foi meu companheiro. Aos poucos, enquanto a aula acontecia, fui acreditando no que fazia. Afinal estava bem preparado para aquela primeira aula. Era a quarta série, hoje oitava.
Tudo corria bem, não fosse o mussitar de alguns alunos e os consequentes risinhos. Não estava preparado para tal situação e “soltei os cachorros” sobre aqueles que seriam, posteriormente, meus mui queridos e simpáticos alunos.
Ao final da aula, um garoto – acho que foi o Maróstica - portando a voz de todos os colegas apresenta as devidas desculpas e promete a não repetição do fato. Cumpriram a promessa.
Os arroubos da juventude me levaram à pretensão de ser um violonista. O tempo mostrou ser impossível, mas naquela época, com muito esforço e dedicação conseguia que meu instrumento balbuciasse algumas notas. Isso encantava alguns alunos que sempre estavam a me pedir uma música.
- Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Não posso, entretanto, deixar de citar o nome do Cônego Luís. Todos os dias das minhas aulas, durante o trajeto, sempre, num determinado ponto, o ônibus parava para receber o cônego que ao meu lado se sentava e íamos conversando sobre vários assuntos. Contava suas histórias de seu tempo de seminário e incluía, frequentemente, o nome de seu colega, o Cônego Cyríaco Scaranello Pires, tio de minha namorada e que na época era pároco em minha cidade.
Recordo, também, com muita emoção do “Seo Zé” que fazia o meu pagamento.
Ao final de cada mês estava lá com o envelope que me entregava trazendo os trocadinhos. Não faltavam nem os centavos. Penso que aqueles gênios que comandavam a escola haviam inventado uma forma de trabalho único que batizei de voluntassalariado. Nós éramos voluntários assalariados, ganhava-se pouco, o prazer era incomum, o trabalho era maravilhoso e milagrosamente aquele dinheiro caía em minhas mãos como uma doce fortuna.
- Sobrou alguma mágoa? Qual?
- Se voltasse no tempo trilharia novamente os mesmos caminhos? Por quê?
- O ex-SIC provocou alguma mudança na sua vida? Se sim, quais?
- Dedica-se à Igreja Católica atualmente?
- Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
- Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
O constante avanço de outras religiões colocou em xeque o poder que a Igreja ainda conservava em nosso meio, herança do Império, levando-a a essas mudanças para chegar ao seu seguidor numa linguagem mais acessível.
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
- Há algum endereço na internet que tenha mais informações sobre você? Algum “link” que você queira divulgar?
- Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC.
Grande abraço a todos.
Nelson de Luccas
Aguardo ansiosamente os comentários de todos, principalmente de seus ex-alunos. Vocês quiseram dar-lhe um "susto" na primeira aula? Ele "passou" no teste de "Vamos ver se este professor realmente tem autoridade"? rsrsrsr
Só não esquecer de identificar-se caso comente como anônimo.
Se vocês gostam de ler histórias e "causos" bem contados não deixem de visitar o seu "blog". Para facilitar, coloquei o respectivo "link" em nossa seção de "Sites e Blogs amigos", na coluna lateral direita.
Agora é com vocês. Vamos lá pessoal!
Até a próxima,
J. Reinaldo Rocha (62-67)
P.S. Quem, como eu, nunca tinha visto a palavra "mussitar", não precisa procurar no dicionário. Eu já fiz isso e colei aqui:
mus.si.tar, v.t. e v.i.
- falar em voz baixa; cochichar, balbuciar, murmurar (Wikcionário)
Para quem aprecia, clique no "link" abaixo e veja uma homenagem aos professores:
Parabéns, Neson de Luca
ResponderExcluirGostei imensamente da sua entrevista e do seu blog - li os "causos" até o final - eles me prenderam a atenção - parabéns pela facilidade de escrever. Entrei no ex-SIC em março de 1969 para fazer o 3º Clássico no Pio XII e depois Ciências Sociais na PUCC. Dos professores que lecionavam no Seminário, além dos padres, só lembro do prof. Luiz Carlos Moura. Afetuoso abraço, Sergio Verly.
Aos Mestres com Carinho
ResponderExcluirAlém dos padres internos e dos monges que vinham de Vinhedo, os demais professores também moravam no SIC mas tinham suas atividades regulares nas escolas da cidade. Professores Razera, José Lopes, Aparecido, LC Moura, LC Baus, Rui,D.Margarida e dois que não moravam no SIC, sendo um deles o Prof. Nelson. O Prof.Razera era um fortão, agitado com cara de bravo, o Prof. Lopes, era elegante e sério, o Moura bem amigo mas sizudo com um óculos escuro e não se prestava a brincadeiras. O Prof. Aparecido era o único que se misturava a Comunidade e passava os fins de semana tbem no SIC. E então começaram a surgir os outros professores. O Rui era um bigodudo e grandão e não levava jeito de professor de Ciências. Então logo de cara, na minha turma surgiu um movimento de desconforto e quando ele percebeu jogou logo as cartas na mesa, tipo assim: ou vamos ser amigos ou inimigos. Todos se assustaram e passaram a respeitá-lo e ele se integrou. Problema que queria jogar fut. sal no campeonato, mas era desjeitado demais e ninguem o queria no time, mas tornou-se bem vindo. O Baus começou com a primeira série e não foi difícil porque parecia mais um de nós. Mas surgiu um professor, tão garoto que precisou da interferencia do Daolio. Nossa turma da 4a.serie começou a pegar no pé dele e ele ficava visivelmente nervoso e se embaralhava todo. Os Malvados...rs...Wilson, Mondini...Claret...Stifter...Mostardinha...rs..rs.. começaram a fazer perguntas demais de propósito... E aí tivemos uma conversa entre o Professor, a classe e o Prefeito Daólio e jogo aberto tudo normalizou-se...mas o "garoto" desistiu logo depois. Então veio o Rui no lugar dele. E, perdoem-me a delonga, o Prof. Nelson havia chegado um ano antes e teve seu batismo na turma da 3a.série como ele conta e contei tudo isso para corroborar com essa coisa curiosa de rejeição de classe por professor. Mas o Nelson era o meio termo que põe o aluno a pensar. Não jeito de durão, mas também não passava aquela coisa duvidosa sobre a capacidade e inteligência. E tinha bem o jeito de falar que logo punha todo mundo na boa. Minha turma, que já hvia feito até greve contra o D.Mathias!!! aceitou logo e Nelson e a gente até pedia que trouxesse o violão... Consegui encontrá-lo agora graças aos documentos que achamos na visita que fizemos aos arquivos do ex-SIC e voces não sabem como é emocionate o primeiro contato assim depois de tantos anos...meu coração até dispara...o que será que ele vai dizer...e felizmente aí vem toda aquela surpresa. Foi assim com a D.Margarida que já tem sua história contada aqui. Também não posso deixar de mencionar dois outros professores especiais. O Bruninho e o Zóchio que todos já conhecem. Será que esqueci de algum, talvez fora de minha época.
A todos os mestres...muito carinho.
(grego)
Prof.Nelson,
ResponderExcluirEssas entrevistas "externas" me deixam entusiasmado ao perceber o quanto aquela vivência atingia a todos nós. É muito importante perceber o que a "escola" fez conosco pois, ainda que fechada, permaneceu na lembrança e, principalmente, na formação de cada um de nós. Caipira sou como você, ainda que de comunidades ferrenhamente inimigas (Monte Mór X Elias Fausto... isso naquela época), mas guardo um carinho muito especial pelo Cônego Cyriaco, vigário de Monte Mór que assitia também à minha cidade: uma pessoa realmente muito especial!!!
Obrigado por lembrar dele e de registrar que o espírito que reinava naquela época permanece latente em nossos corações.
Um abraço,
Cláudio Natalício
Professor, boa noite!
ResponderExcluirDemais interessante sua entrevista, não só pelas respostas às perguntas de praxe, mas principalmente pelos "causos" que me levou a praticamente o estar vendo em situações de aparentes embaraços (o "susto" que levou pelas visitas do Mons.Bruno e do Pe.Daólio - a armadilha dos alunos em sua primeira aula - depois o seu entrosamento feliz, embora por tão pouco tempo, como feliz e por tão pouco tempo foi minha permanência no seminário).
Fiquei feliz por sua revelação de participar da Sociedade de São Vicente de Paulo, movimento que também tenho a felicidade e honra de participar.
Fortíssimo abraço
José Fernando Crivellari (1961/1962)
fernando.crivellari@ig.com.br
Agradeço os simpáticos e carinhosos comentários até agora postados e àqueles que sejam posteriormente enviados.
ResponderExcluirAproveitando a oportunidade, quero registrar minha indelicadeza para com minha família, omitindo seus nomes. Corrigindo, embora tardiamente:
Sou casado com dona GEMA DE JESUS SCARANELO DE LUCCAS e temos três filhos:
NELSON DE LUCCAS JÚNIOR, professor de Matemática e Física, mas que não exerce a profissão.
Mergulhador profissional, hoje trabalha como supervisor de mergulho em uma empresa sediada no litoral norte.
NELMA DE LUCCAS, enfermeira, trabalha como coordenadora de enfermagem no hospital de Monte Mor.
RENATO DE LUCCAS, arquiteto urbanista, com escritório sito à Rua Dr. Carlos de Campos n° 148, em Monte Mor.
Ainda não temos netos.
Abraços.
Caramba, isso mesmo! Fomos Mons. Bruno e eu a convidá-lo a lecionar no Seminário. A imagem está lá no fundo da memória. Mas não lembro se entramos ou ficamos só na porta. Parabéns pela entrevista. Nota-se que você "trabalha bem" com nossa língua, "inculta, porém bela".
ResponderExcluirAbraço. Daólio.