domingo, 3 de outubro de 2010

"Pelo isolamento em que vivíamos, ficamos devendo para nós mesmos um crescimento afetivo e sexual"

Várias vezes, enquanto o pessoal praticava esportes, eu o vi debruçado sobre o piano do auditório do ex-SIC tocando músicas clássicas.
Que aconteceu com aquele promissor pianista? Continuou com a música?
Isso vocês saberão lendo as respostas abaixo.
E mais: descobrirão quais as importantes causas de promoção social em que ele esteve e está engajado.

Com estas dicas provavelmente vocês já sabem que é ele. Ou não?

  • Quando entrou para o ex-SIC?
Entrei no Seminário de Campinas em 1959. Mas, vinha do Seminário de Aparecida, onde tinha entrado em 57.
  • De que cidade/paróquia?
Da zona rural de Louveira (SP).
  • Por que entrou para o seminário?
Queria ser padre e também por vontade de fazer coisas boas, estar mais próximo de Deus, poder salvar almas...
  • Quantos anos tinha quando entrou?
12 anos
  • Quando saiu do seminário?
Saí em 1978, quando já estava no 3º ano do Seminário Central do Ipiranga
  • Quantos anos tinha quando saiu?
23 anos
  • Por que saiu do seminário?
Por causa do conflito entre o cristianismo que se pregava e o que fazia a Igreja enquanto instituição.
  • O que aprendeu no ex-SIC?
Aprendi a convivência e a partilha com as pessoas. Aprendi que Deus é amor e que o cristianismo é transformador, enquanto que o pecado é o oposto: empecilho ao desenvolvimento à evolução da vida e à manifestação do amor. Aprendemos novos valores e também adquirimos muito conhecimento. Aprendi ter amizade. Além das aulas, aprendi teatro e música.
  • O que faltou aprender?
Apesar do esforço não consegui nem ser um médio jogador de futebol, sempre fui muito ruim nisso.
Pelo isolamento em que vivíamos, ficamos devendo para nós mesmos um crescimento afetivo e sexual.
Durante o seminário menor não líamos jornal, não ouvíamos rádio e não acompanhamos o que estava acontecendo: faltou aprender a lidar com história presente. Contudo, aquelas limitações com relação ao mundo, não havia no Seminário Central, promovia uma grande abertura.
  • O que fez depois que saiu? Estudou o que?
Fiz filosofia na USP, estudei música (em curso superior, em escola técnica em cursos particulares) e fiz mestrado em educação pela UNICAMP.
  • Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Fui professor de música em duas faculdades nos anos 70. Trabalhei no SESC de São Paulo, onde reencontrei alguns ex-seminaristas. Lá pude coordenar a criação da Orquestra de Cordas do SESC. Fui organista durante sete anos na Igreja Santa Cecília de São Paulo. Participei durantes anos de movimento popular na periferia da Zona Sul da Capital, Osasco e Taboão da Serra, estive ao lado de padres muito interessantes e comprometidos com os trabalhadores e moradores da periferia. Fiz assessoria em dois grandes sindicatos (trabalhadores químicos e metalúrgicos) no contexto do novo sindicalismo brasileiro dos anos 80, em São Paulo e em Campinas.
  • Trabalha ainda?
Trabalho com autogestão na Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão (ANTEAG) desde 96. Por conta disso, estou sempre viajando. Esta associação nasceu das empresas que estavam falindo, principalmente, nos anos 90. Começamos a organizar trabalhadores daquelas empresas para diante da falência não fossem mais um número (que era muito alto, na época) dos que já estavam na rua da amargura. Com isso foram recuperadas centenas através da autogestão. Isto é, através da administração dos que vivem do seu próprio trabalho, fábrica sem patrão.
Sou integrante da Coordenação Executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. A Economia Solidária está na Campanha da Fraternidade deste ano.
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Casei-me duas vezes. Não tive filhos
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC? 
O por do sol. Os ventos frios do inverno. A beleza das missas solenes e das vésperas dominicais naquela capela em que todos vestindo batina formavam um conjunto enorme de preto e branco. Das cerimônias em que participávamos na Catedral de Campinas. Das ladainhas de todos os santos.
  • Cite um personagem com quem conviveu na época e que o impressionou positiva ou negativamente.
Positivamente, pelo relacionamento humano com os seminaristas: Padre Nadai e Padre Vanin.
  • Sobrou alguma mágoa? Qual?
Não! Só sobrou muita gratidão pelas oportunidades que tive e que tivemos.
  • Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
Iria. Porque acreditava e queria. Também porque foi oportunidade de sair daquela estrutura familiar tradicional em que vivia.
  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
A entrada promoveu saída da estrutura familiar e a saída foi um jogar-se para a realidade deste mundo e ter que, em pouco tempo, aprender o que não tinha sido aprendido da sociedade dos homens e, principalmente, das mulheres
  • Se dedica à Igreja  Católica atualmente?
Não me dedico à Igreja Católica, enquanto instituição. Vou à missa.
  • Qual sua relação com a religião atualmente?
Busco coerência do que penso com o que faço. Esta é o principal “religo” ou “religare” do espírito com a matéria.
  • Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
Na época era mais de celebração litúrgica, hoje, vivência
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
A Igreja antes do Vaticano II (62-65) era fechada, dura e formal. Depois abriu. Na época do seminário vivi o antes, o durante e o desenvolvimento do Vaticano II. O que mais me encantava era a Igreja comprometida com o mundo em que a Teologia da Libertação era uma luz e a CNBB, uma boa expressão disso.
Na atual Igreja no Brasil tem muita gente que acha que ela já cumpriu sua missão histórica, que deve voltar para o desenvolvimento interno e maior espiritualidade. Há os que acham que para concorrer com outras religiões deve fazer coisas semelhantes ao que elas fazem. Com isso, parece que perdem a característica histórica dela mesma. É curioso observar que em regiões em que continuou comprometida (engajada) com a sociedade, hoje, a igreja está melhor e cresceu o numero de fiéis.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
São interessantes: oportunidades de rever pessoas, rever histórias e trocar informações.
  • Alguma sugestão?
Estimular a localização de ex-seminaristas que ainda não estão na lista. Continuar a campanha de fotos antigas para nossa coleção.
  • Qual a pergunta que você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
Duas perguntas: em poucas linhas (no máximo, em dez), dizer o que de importante aconteceu na sua vida depois que saiu do Seminário? Como você vê a questão ambiental hoje? Você acha que promover poluição e destruição da biodiversidade não, hoje, seja um grande pecado?
  • Há algum outro endereço na internet que tenha mais informações sobre você? Algum link que queira divulgar?
Dois endereços: www.fbes.org.br e www.anteag.org.br
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
No mundo que vivemos hoje, seu modo de vida, a forma de produção, comercialização e consumo é sustentável? Vamos nos envolver na Campanha da Fraternidade pela necessidade de buscar alternativa de sociedade e de vida. Abraços

Luigi Humberto Verardo

Agora conhecemos melhor nosso colega. Já sabemos qual foi sua trajetória de vida e seu importante papel como agente social.

Aproveito para lembrá-los sobre o grupo de discussão que foi criado na rede social Facebook (Foi enviada uma mensagem de e-mail com instruções a respeito).

O grupo chama-se ex-SIC - Inte(g)ração. Para reforçar o pedido de participação logo enviarei um convite específico para a inscrição no grupo.

Ingressem no grupo para que assuntos de interesse exclusivo da comunidade possam ser discutidos abertamente, uma vez que o grupo é privado.

Se não quiserem discutir, ingressem pelo menos para não virar assunto....rsrsrs. Ou, se virar assunto poder saber do que se trata.

Mas, antes disso, não deixem de comentar a entrevista do Verardo. Só não esqueça de identificar-se caso comente como "anônimo".

[]'s e vamos curtir as eleições.

J. Reinaldo Rocha(62-67)

5 comentários:

  1. Verardo, bom dia!
    Parabenizo pelo conteúdo franco das respostas.
    Fui nos dois anos que permaneci no seminário (1961/1962), componente do coral e portanto ter o privilégio de testemunhar todo o seu talento como nosso organista.
    Quando me coube a honra de ser entrevistado, dentre outras coisas que citei, sobre fatos marcantes da vida do seminário, estavam as cerimônias litúrgicas na nossa capela e na catedral, também relembradas por você.
    Desejo todo o sucesso para sua vida em todos os sentidos e expressar meus votos de um dia a gente poder relembrar momentos felizes.Você com seu talento de grande instrumentista, eu, com meu grande esforço de pelo menos não comprometer como coralista (rs).
    Já se vão 50 anos, caro Cutuba... mas até hoje soam aos meus ouvidos as notas que você tirava do órgão principalmente da música "Lembrai-Vos"
    você se lembra, desculpe o trocadilho (rs), que tocava diariamente antes de irmos para os dormitórios.
    Fortíssimo abraço
    José Fernando Crivellari

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  2. Estimado amigo Cutuba, que bom ler sua entrevista! Lembro-me de sua vinda para o Ex-sic, sua nossa convivência em classe, nossas aulas de matemática com o Pe. Senna, latim e grego com o Con.Luís...Depois em São Paulo, no Ipiranga, Filosofia e Teologia, aí não me lembro: Vc fez teologia comigo? Ou só o terceiro ano de filosofia? Vc iniciou respondendo que saiu em 1978... Eu saí em 1971... Mas não vamos fundir nossa cuca, né?
    Suas repostas são de grande sabedoria, próprio de quem cultiva a música.
    Luigi, Verardo, um grande abraço de seu antigo colega de turma.
    Lúcio

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  3. Gessé Campos Camargo4 de outubro de 2010 às 07:37

    Meu caro Verardo,
    nem sempre se sabe o que a gente pode fazer por pessoas que nos cercam. Pois bem, você foi um mestre da musica erudita, para mim, pois quando reunia os interessados nos domingos para ouvir obras dos grandes classicos, lá na biblioteca, lá estava eu atento ouvindo e aprendendo esta arte que hoje muito me alegra.
    se hoje me dedico à musica erudita, foi graças a você.
    Muito obrigado e um grande abraço que espero possa lhe dar pessoalmente num dos nossos encontros.
    Gessé.
    11 99706122

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  4. Relendo as entrevistas vamos relembrando mais coisas. O isolamento dito pelo Cutuba, que a primeira vista parece algo alienativo era na verdade muito educativo. Prova é o próprio Cutuba, que desenvolveu no SIC, ao longo dos anos, seu talento musical. Praticamente tudo o que se sonha fazer na juventude cá fóra e não se consegue, havia dentro do SIC. Cá fóra jogava-se apenas futebol em campinhos e no SIC tinhamos emocionantes campeonatos de futebol, salão, volei, basquete, etc. Recereação que não havia fora, havia no SIC em todo recreio todos os jogos de mesa. Havia até Olímpiadas e Gincanas que ouriçavam os feriados em competições de classes. O espiribol que não havia lugar algum tinha lá. Praticar teatro e musica era comum, o famoso rádio, laboratorio fotografico, encadernação, fábrica de velas, padaria,carpíntaria; passava-se também filmes recebia-se muita gente de fóra. Também havia concursos de desenho e pintura que terminavam em exposições e show de premiações. Havia também contatos com outros colégios como o Progresso, São José, Notre Dame, Escola de Cadetes. E também saíamos em retiros na Bethania, Mosteiro de Vinhedo, Seminario de Nova Veneza. Passeios nas fontes Sonia e Santa Tereza e fora os passeios organizados pelas classes. O Gremio e a Academia foram instituições das mais ricas que uma escola pode ter e que deveriam ainda existir, de verdade, nas escolas. Tudo isso era possível dentro de uma Comunidade, no caso do SIC, bem isolada e sob muitas regras de convívio, mas que não tiravam o brilho da vida, pelo contrário, era a espera ansiosa pelas atividades que davam a graça à vida interna. E por fim, depois das atividades relaxar em longas conversas com os amigos, comentários, análises e tudo contribuia para o fortalecimento do SIC.
    grego

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  5. VILSON ANTONIO COLETTI1 de abril de 2012 às 18:59

    Caro Humberto,
    Pelo tempo passado talvez você não venha a ler esta mensagem, e eu não sabia que o seu primeiro nome era Luigi. Esteja você onde estiver, esteja você como tiver, lhe desejo um montão de felicidades. Quem sou? Entrei no seminário de Aparecida em 1956, um ano antes de você, saí de lá em 1958, porque fecharam o seminário menor, e fiquei um ano em Campinas, 1959. Depois... bem, depois vivi a vida. Um forte abraço. VILSON ANTONIO COLETTI, de LOUVEIRA como você, atualmente em ITATIBA. Meu E-mail: vilsoncoletti@hotmail.com

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