domingo, 25 de julho de 2010

"Participei da criação da primeira “Bolsa Família” implantada no Brasil"

Vocês sabiam que o tão badalado projeto "Bolsa Família" teve um de nossos colegas como co-criador em sua pioneira versão?

Não?

Então leiam a interessante, e influente, trajetória de "um dos nossos".

Quem é ele? Ah! Isso só lá no final da entrevista.


  • Quando entrou para o ex-SIC?
No segundo semestre de 1955. Acho que no mês de agosto. No curso de Admissão. Foram 5 meses de estudo para poder entrar para valer, em 1956, no curso ginasial. Já vou dizendo que tive um grande “anjo” nos meus primeiros dias de seminário. Foi o Álvaro Augusto Ambiel, hoje pároco da Catedral de Campinas.
  • De que cidade/paróquia?
Em primeiro lugar da paróquia de Santa Cristina da Pousa, no concelho de Barcelos, em Portugal de onde havia chegado há exatamente um ano. Vim morar em Campinas, na Vila Nova, paróquia de Nossa Senhora das Graças, cujo vigário era o Padre Antônio Roccatto.
  • Por que entrou para o seminário?
Desde muito menino era ligado às coisas da prática religiosa. Fruto de uma educação e tradição de família e de um cuidado especial de minha mãe. Aos quatro anos já freqüentava a catequese e fazia a primeira comunhão. Cantava no coral da Igreja, coisa que continuei fazendo no seminário. Nunca fui coroinha, mas era uma criança participativa. Na Vila Nova, continuei a participar das atividades de catequese, orientado por uma religiosa, irmã Nilza, das Missionárias de Jesus Crucificado. Um belo dia ela perguntou ao grupo: “quem quer entrar para o seminário?” Me apresentei. Fui o único, pois esse sonho já vinha desde que meu tio, dois anos mais velho que eu, entrara para a vida religiosa em Portugal.
Foi assim: participação, convite, história, aceitação e... entrada no seminário.
  • Quantos anos tinha quando entrou?
Onze anos e poucos meses.
  • Quando saiu do ex-SIC?
Em junho de 1964, já no Seminário de Filosofia de Aparecida do Norte.
  • Quantos anos tinha quando saiu?
Vinte anos a poucos meses.
  • Por que saiu do seminário?
O medo me fez sair. Medo, principalmente, da solidão. E tem uma explicação para isto: Em 1963, durante as férias, fui visitar a paróquia de Cravinhos, próxima a Ribeirão Preto. Fiquei por lá uma semana, em contacto com o pároco (não me lembro mais de seu nome) e com as lideranças cristãs da comunidade. Fiquei muito impressionado com a vida do pároco desta pequena cidade e do que eu achei uma solidão muito grande. E saí.
  • O que aprendeu no ex-SIC?
De tudo um pouco. E do pouco que eu sei, e que é importante para a vida, tudo. O que veio depois veio sobre a base construída. Se quisermos falar de humanidades e de visão de mundo, vide Comblin; se de matemática, Euclides Sena; se de línguas, Luis de Campos; se de português, aliado a civismo, política e experiência de mundo, Luis Fernandes de Abreu; se de gestão e economia, Bruno Nardini; se de espiritualidade José Gaspar e Lauro Sigrist. De cada um ficou uma marca e um “aprendimento”. E de todos, padres, freiras, colegas e professores leigos, a convivência, o espírito do coletivo, a responsabilidade e a disciplina. É pouco? E a capacidade de pensar, a dialética, a oratória? E os ensinamentos da filosofia? Muitas vezes me surpreendo, voltando àqueles tempos e sentindo o quanto de útil ficou para minha vida.
  • O que faltou aprender?
Aquilo que eu não sei.
  • O que fez depois que saiu? Estudou o que?
Fiz faculdade, estudei economia, ainda fiz parte de movimentos no pós 64 (Ação Popular, Ação Católica). Não fiz guerrilha. Mas muitos dos nossos amigos fizeram e pagaram com a vida por terem feito. São os heróis que eu não fui.
  • Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Trabalhei em várias empresas, mas minha carreira enveredou pela área da computação e informática. Dos últimos trinta anos, pelo menos 70% foram em atividades técnicas, na área de informática, em órgãos públicos, como Prefeitura de Campinas, Ministério da Saúde, Prodesp, Prodam e outros. Também fui, durante o governo do Prefeito Magalhães Teixeira, em Campinas, fora da área de informática, seu Secretário de Governo, e participei da criação da primeira “Bolsa Família” implantada no Brasil, em 2004, no município de Campinas. Fui um dos articuladores deste projeto.
  • Trabalha ainda?
Ainda. Se não vou viver de quê?
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Casado com Maria Helena. Daniel, Lucas e Raquel, filhos. Fernando e Isabela, netos, filhos do Lucas, por enquanto.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
Mais do que fatos, pessoas. São muitas e muito diferentes. Uma riqueza só.
  • Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Dos positivos, já citei acima mas posso repetir: Padre Sena, Monselhor Luis de Abreu, Monsenhor Bruno Nardini, Pe. Comblin. Osvaldo Vanim que mudou nossa vida. Muitos colegas que me ajudaram a ser eu. São tantos que não vou nominar, mas cito o Buti, que já se foi e o Benini que está conosco, come pizza conosco todo mês e que era uma grande alegria para todos.
Negativos? Esqueci todos.
  • Sobrou alguma mágoa? Qual? .
Podia ter aproveitado ainda mais este tempo. Se não aproveitei, foi responsabilidade minha. E como José Luiz Borges, poderia ter visto mais amanheceres e entardeceres; Sido um pouco menos certo, embora não fosse tão certinho assim; aprendido mais com os fatos e as pessoas.
  • Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
Como o tempo não volta... não sei dizer. Um só sinal poderia ter mudado tudo.
  • Se dedica à Igreja Católica atualmente?
Dedicação ativa, em trabalhos ligados à Igreja, não. Já participei de Equipe de Casais e mais atividades comunitárias. Hoje continuo a participar de missa semanal, às quintas feiras. A vida profissional acabou ocupando mais espaço que deveria.
  • Qual sua relação com a religião atualmente?
Menos dependente. Mais madura. Mais opção, menos obrigação.
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Vivi antes e após Concílio Vaticano II. Antes e após Teologia da Libertação. Antes e após “Opção Preferencial pelos Pobres”, antes e após João Paulo II e Bento XVI. São muitas comparações de uma Igreja cheia de matizes em busca da sua identidade com a sociedade e o tempo atual, em que pesem as imensas dificuldades. Saber acolher as diferenças e contrastes de uma sociedade laica é o grande desafio. Acho que a palavra da Igreja será “ACOLHIMENTO”.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
São ótimos momentos de retorno. Rever e reviver. Rever e abraçar. “É MAIOR BOM” para usar a forma de falar de nossas crianças.
  • Alguma sugestão?
Novas formas poderão ser criadas. O importante é não deixar de fazer.
  • Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
Isto aqui foi quase um interrogatório... Tudo muito bem. Tudo muito bom.
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Um abraço. Paz. Saúde. Vida longa a todos.

 Arnaldo Machado


Lógico que estamos aguardando seus comentários.

Vocês leram? Ele tem medo de solidão. Para se safar deste medo, nada melhor perceber que está cercado de amigos e pessoas que gostam de estreitar relacionamentos.

Só não esquecer de identificar caso utilizem a modalidade "anônimo".

[]'s e até a próxima.


J. Reinaldo Rocha(62-67)


 

6 comentários:

  1. Arnaldo,

    A "idade avançada" contribui para o fato de não me lembrar de termos participado da mesma turma em 55/56. É claro que o "divórcio" ocorrido em 56, quando repeti a 1ª série (e isso, nem a predileção de D.Paulo de Tarso quebrou o galho), nos colocou a partir dai, em turmas diferentes. Entretanto, estou envaidecido em participar, às vezes, com você da "pizza do paierão".
    Meus parabéns pela consistência de suas respostas!
    Um grande abraço,
    Cláudio Natalício

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  2. Grande Arnaldo

    Rachamos a cabeça juntos durante anos, embora só você é Machado. como é bom relembrar, rever e, ainda, ler mais depoimentos de amigos. Que nossos encontros sejam mais frequentes.

    Abraços

    Aluizio

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  3. Arnaldo, boa noite!
    Foi grande prazer ler o ótimo conteúdo de suas respostas. Através delas me vieram à memória, personagens outros que escreveram a bela história do nosso querido seminário.
    Forte abraço
    José Fernando Crivellari
    1961 / 1962

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  4. Boa noite, Arnaldo, tudo bem?
    Filósofo até à medula da alma, rsrsrsrsrsrs!!
    Quando entrei no Ex-sic, em 1958, você esteve ajudando na aplicação de uma prova, nem sei por quê, só sei que vc lá estava nos orientando, dando dicas, conforme as nossas dificuldades.Talvez fosse uma prova para poder se preparar para o exame de admissão, sei lá! Naquele tempo não havia espaço para solidão, não é? Ou não dava tempo para curtir solidão. Mas, depois... o bicho pega, rsrsrsrsr,...
    Um abraço e até mais ver.
    Lúcio

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  5. Sr.Arnaldo:Lendo suas respostas,fico a imaginar o quanto importante foi nossa participação num seminário.

    DURVAL 63-65

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  6. A solidão. Fui escalado para falar no Gremio. Fui ao Poemas para Rezar de Michel Quoist e recitei a crônica Oração do Sacerdote (numa tarde de domingo). Infelizmente, não dá p/ colocar aqui, ainda vamos abrir uma página no site para a velha Literatura, e decorar os versos foi uma tremenda reflexão como a visita do Arnaldo ao Pároco solitário. Passei por alguns momentos assim no SIC. Nas saídas de fins de semana, uma ou duas vezes por semestre, eu não ia, porque morava na fazenda e faltava transporte em fins de semana. Como eu, ainda havia mais 2 ou 3. Vocês não imaginam o que era o SIC vazio. O silêncio, a penumbra, as horas lentas, o dormitório parecia enorme e dormir lá, então, claro, dava medo. Em certa ocasião dessas, só estávamos em tres: eu, Montanha, colega de classe e o Bartolo, do 20. colegial e morava em Pernambuco. Fomos dormir na camerata dele, no dormitório dos maiores. Até hoje o Bié não sabe que dormi na cama dele e o Bartolo ainda disse para não dizer nada senão ele ia ficar uma fera....rs...rs...
    Para quem gosta de ler, recomendo um livro que aborda de outra forma esse assunto da vida solitária do padre. É um romance do escritor premio Nobel, Graham Greene e se chama O Poder e a Glória.
    Grego

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