Para os "novatos" ele era considerado um mestre, um conselheiro, ou um "irmão mais velho". Isso devido a sua paciência, sapiência e religiosidade.
Talvez por isso ele seja um dos que mais comentam as entrevistas dos demais colegas. Também por isso, talvez, ainda exerça sua atual profissão.
Qual sua profissão? Bem...será necessário ler a entrevista que, como já está ficando tradicional por aqui, é repleta de histórias e emoções.
- Quando entrou para o ex-SIC?
Bom, eu entrei para o Seminário no século passado , rsrsrsrsrsrsrsr(gostou?)
Eh, cara, mas antes do ex-SIC, eu estive num Seminário dos padres salvatorianos, lá na perdida cidade de Conchas. Isto foi nos idos de 1957. Eu nem conhecia Valinhos. Minha família trabalhava nas fazendas de café e, assim, quando fui para o Seminário de Conchas, meus pais mudaram para Valinhos, numa fazenda, onde hoje é a Fonte Mércia e passou a morar na Cerâmica da Capuava que, também pertencia à tal fazenda. Vindo para as férias de julho, do cafezal da fazenda descortinei este belo Seminário, lindo de se ver ao longe. Então, fiz o maior esforço para me transferir para este saudoso ex-SIC. Lá, eu estava longe de minha família. Aqui, estava perto.
Então, ao me transferir para o Seminário da Imaculada, eu já pertencia à paróquia de São Sebastião de Valinhos, tendo como pároco o Pe. Ângelo Marighetto.
Agora completo a primeira pergunta de maneira mais objetiva: Vim para o ex-SIC em 1958.
- Por que entrou para o seminário?
É como diz o Pe. Jonas, amigo e companheiro , meu vizinho aqui perto do Jd. São Vicente, recém-ordenado: "Eu também fui alcançado pelo Senhor Jesus", quando ainda nem sabia falar, morou?! Meus pais eram católicos e assistiam missas aos domingos(assim que se dizia) e toda a filharada ia junto. Ninguém ia ao catecismo, porém eles nos ensinavam em casa os conhecimentos religiosos. Um dos momentos mais caros para mim na Missa era ouvir a pregação do padre celebrante. Retinha tudo na minha memória. Pois é, um dia eu saí com essa: falei para meus pais que queria estudar para padre. E lá foi ele falar com o padre. Minha cidade natal era Estiva, próximo a Pouso Alegre, lá na terra do queijo, uai! Aí veio a exigência: "Tem o quarto ano primário"? Eu não tinha nem o primeiro ano, nunca tinha entrado numa escola.(Diga-se de passagem que naquele tempo, a escola pública era elitizante, isto é, nós da camada pobre não tínhamos acesso à educação escolar). Se os pais tinham um pouco de leitura, eles ensinavam os filhos e, foi assim que aprendi a ler em casa. Assim, toca entrar para a escola.Consegui estudar até o segundo ano primário e não deu para continuar, pois nossas sucessivas mudanças atrapalharam muito, até que entrei em contato com os padres salvatorianos que iam rezar missa nas capelas dos bairros, em Jundiaí e eles me encaminharam para o Seminário preparatório de Conchas e lá entrei direto no quarto ano primário, como respondi na primeira pergunta.
Então, meu amigo, infira aí porque eu quis ser padre. Não foi levado por um zelo missionário(!), não foi também porque "o padre era mais importante que um anjo(oh, dizia-se isso!!), trabalho vocacional nem havia...! Eu quis ser padre e...fui! Árdua caminhada, meu companheiro de luta, foi uma trajetória de quinze anos! Não foram dois anos, três ou quatro...mas quinze anos fora de casa. Mas eu queria ser padre, perfiz esse caminho.
- Quantos anos tinha quando entrou?
Tinha quinze anos quando deixei minha família e fui para o Seminário Salvatoriano de Conchas e, consequentemente, dezesseis anos quando entrei no nosso querido ex-SIC.
Eu saí do ex-SIC? Ah, sim, claro, saí para continuar meus estudos, agora, no Seminário Maior(como se dizia). Era uma conquista, uma glória, um sonho chegar até o Seminário Maior, última etapa para o sacerdócio.
- Quantos anos tinha quando saiu?
Bom, vamos por parte: Eu saí do Seminário da Imaculada com 23 anos para ingressar no Seminário Central do Ipiranga. LÁ eu fiz os três anos de Filosofia e os quatro anos incompletos de Teologia e enquanto fazia Teo, completava Filosofia em Mogi das Cruzes. Então saí... e saí com 30 anos.
- Por que saiu do seminário?
Sei lá porque saí! Vou dizer que foi "a vontade de Deus"? A gente usa muito explicar o inexplicável dizendo que, ou porque Deus quis, ou porque foi a vontade de Deus... quando, na realidade, as causas são humanas, as falhas são nossas. No segundo ano de Teologia havia pedido, mediante um requerimento ao senhor reitor, as ordens menores. Passou-se um ano e não tive retorno. Reiterei o pedido e passara-se o terceiro ano sem uma resposta do senhor reitor. Questionava o Chanceler da Cúria e ele dizia que nada havia chegado lá a meu respeito. Ora, imagine como fica o psicológico do camarada, né? Ao retornar das férias de fim de ano, quando deveria começar o quarto ano de Teologia, fui abordado pelo Diretor Espiritual dizendo que eu não deveria ter voltado das férias, pois minha Diocese já não mantinha mais vínculo comigo no Seminário. Vim falar com meu Bispo, era dom Antônio. Você se lembra de Dom Antônio? Ele me dizia que não sabia de nada, só sabia que eu havia comentado que tencionava receber as ordens menores (numa visita que ele nos fez no Seminário). Propôs escrever uma carta ao Reitor e eu disse que não o fizesse, pois já não havia mais clima para mim no Seminário. Foi então que eu deixei o Seminário.
- O que aprendeu no ex-SIC?
No Seminário da Imaculada eu aprendi tanta coisa! Primeiramente, eu aprendi a conviver em sociedade. É verdade! Eu era tão caipira, retraído e graças ao nosso relacionamento eu fui me deslanchando, me desembaraçando... essa interação bonita que, naturalmente ia acontecendo, a gente ia crescendo; os padres que conviviam conosco, os nossos professores, todos tiveram uma contribuição fabulosa para o meu desenvolvimento. Toda aquela vida de vivência litúrgica, com Missas, reflexões e orações... Os terços que rezávamos pelo claustro afora, tudo foi muito importante para o amadurecimento de minha fé, pois no começo a gente tem uma fé muito infantil, mas muitos tabus nós temos que jogar fora à medida que vamos nos libertando do infantilismo religioso, não é mesmo?
Também aproveitei o máximo dos estudos. Estudava muito, gostava de todas as matérias, apesar de ter tido muita dificuldade em Matemática. Não conseguia entender as aulas do Padre Sena, mas mesmo assim ele sempre procurou me entender e eu nunca fiquei, sequer de recuperação. Grande Padre Sena, e que Deus o tem, com certeza, junto de si.
Que mais? Francês com o Padre Lúcio, Padre Eugênio Inverardi(um salvatoriano que nos deu francês na segunda série ginasial), o Padre Michel( veio lá da Bélgica para me ensinar francês, RSRSRSRS). Latim, Inglês, Grego, com o saudoso Con. Luís...Português... ah, tá bom, né?
Tudo o que o Seminário nos ensinou, eu aprendi, acho que não faltou nada.
- O que fez depois que saiu? Estudou o que?
Fiz complementação de História em Amparo, Pós Latu Sensu de História em Ouro Fino e Letras na PUCCAMP.
- Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Aí que o bicho pegou feio, meu caro! Eu não tinha nenhuma formação profissional, o que podia fazer era dar aula e aula de História, pois Filosofia e Psicologia ou Sociologia a ditadura militar tirou da grade curricular. Na área profissional eu não era conversado, precisava de ajuda e não encontrei quem me desse ajuda. Então, tentando daqui e dali, consegui trabalhar em algumas indústrias. Só fui me aprumar quando voltei a lecionar e aos poucos fui entrando no mundo da Educação e hoje, sou um professor aposentado do Estado (recém-aposentado)e continuo lecionando na Rede Municipal. Gosto muito de lecionar, se bem que esta profissão se tornou muito penosa, mas é uma profissão que me realiza.
Como eu disse, na Rede Municipal.
- Casou? Tem filhos? Netos?
Sim, casei-me há 36 anos, tenho um casal. Meu filho já me deu um neto, inteligente, apaixonado por futebol, sabe mais do que eu. Ele diz que vai ser jogador, não sei se é de bola ou de pedrinhas n'água, rsrsrsrsrs. O pai fez Administração de Empresa e agora está concluindo pós em Economia. Minha filha fez Biologia e mestrado na Unicamp e agora está fazendo Farmacologia na São Francisco, na minha ex-Casa.
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
O período todo do Seminário é uma recordação marcante para mim. Devo tudo ao Seminário.
- Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
O Mons. Luís Fernandes de Abreu "um oceano sem praia" em sabedoria. É outro que, com certeza, está em comunhão com a Suprema Sabedoria. O Cônego Luís, grande poliglota; Mons. Bruno que me deu muita força para eu entrar no Seminário da Imaculada; Você vê, é difícil citar só um personagem...
- Sobrou alguma mágoa? Qual?
Não, não sobrou espaço para mágoa.
- Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
Eh, meu amigo, "só se toma banho uma só vez no mesmo rio" (não sei se é Parmênides que diz), pois na segunda vez que você pular no rio, já não é mais aquele, pois tudo está passando (Panta Rei).
Aquele Seminário era tridentino, isto é, pensado pelo concílio de Trento para dar uma melhor formação aos padres (Se eu estiver equivocado, me corrija, por favor.). Hoje temos Vaticano II, os sínodos, de Medelin, Puebla e agora, de Aparecida...creio que tudo isso influi na formação dos seminaristas.
- Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
Creio que a resposta está um pouco em cada reflexão nas questões acima; tenho um modo diferente de pensar o mundo, a política e mesmo a religião. Nós não podemos absolutizar nada, tudo é relativo. O único Absoluto é Deus. Os trancos da vida amadurecem muito a gente.
- Se dedica à Igreja Católica atualmente?
Sim, dedico-me à Igreja. Vivi até agora acreditando que sou igreja, eu tenho que me dedicar a ela, Igreja Povo de Deus, em marcha para a Casa do Pai. Já trabalhei na catequese, grupo de jovens, participo da Liturgia de minha Comunidade(Comunidade Cristo Ressuscitado), como Ministro Extraordinário da Eucaristia, celebro o Culto da Palavra e faço a homilia(diz que agora o leigo faz reflexão e não mais homilia), então eu faço a reflexão, né?
- Qual sua relação com a religião atualmente?
Acho que a resposta da questão anterior já contempla esta pergunta.
- Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
Houve um amadurecimento, evidente. Hoje vejo a Religião de uma outra forma. Meu relacionamento com os outros, com o meu ambiente, até mesmo a minha consciência planetária... tudo é religião.... Se você não fizer tudo isso dentro de uma mística, nada acaba tendo sentido.
- Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
A Igreja teve um momento em que voltou sua atenção para as CEBs. A Igreja saiu ou estava saindo da sacristia e indo na direção do povo. Houve muita polêmica e, novamente voltou a se centralizar e o movimento carismático começou a crescer e o tom das homilias também começou a mudar. Mas, há hoje um esforço de conscientização por uma maior participação das comunidades. Depende da cabeça do padre que se forma, pois pode acontecer de o padre ter a última palavra na igreja e o povo ser apenas massa de manobra. Daí a necessidade de os seminários formarem padres que pensem Comunidades e não igreja massificada, liturgia massificada. Na época das CEBs o povo estava atuando mais. Quem deveria mudar, transformar a face da igreja seria o povo, mas isto não está acontecendo.
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Excelente, continuemos.
No momento, não, mas se surgir alguns, a gente comunica, sempre há tempo
- Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
Se houvesse uma outra pergunta haveria também redundância, está bem assim.
- Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Quem diria, amigos, que um dia nós voltaríamos a ter a necessidade de nos reencontrarmos. Não é por acaso, mas há laços fortes criados no ontem de nossa convivência seminarística. A Convivência cria laços. Quero deixar-lhes como mensagem o Salmo 133(132), muito comentado pelo Padre Canoas nas suas reflexões para nós, naqueles anos dourados:
"Vejam como é bom, como é agradável / os irmãos viverem unidos./ É como óleo fino sobre a cabeça, / descendo pela barba, / a barba de Aarão; /descendo sobre a gola de suas vestes./ É como o orvalho do Hermon, / descendo sobre os montes de Sião. / Porque aí Javé manda a bênção / e a vida para sempre".
Até o próximo encontro, pessoal!
Lúcio Inácio da Rosa
E então? Gostaram?
Se gostaram, comentem. Se não gostaram, comentem também. Lembrando: Se for comentar como anônimo, identifique-se, por favor.
Caro Lúcio, luz no nosso meio
ResponderExcluirInácio, homônimo e vocacionado a doutor da Igreja
no Jardim do Seminário foste O ROSA amigo.
Abraços
Caro Lúcio,
ResponderExcluirVocê relatou tudo o que eu esperava ouvir de você! Espetacular a sua entrevista. Caro amigo, a sabedoria é a fortuna e, essa, você a tem!
Um grande abraço,
Cláudio Natalício
Lucio, excelente entrevista, vejo que continua com religiosidade, isto muito bom nos tempos de hoje, quanto aos encontros fico feliz dele existir, pois conheci companheiros de objetivos parecidos e inciante do seminário bem semelhantes, que na época de Seminário não tive o prazer do contato. voce é um deles.
ResponderExcluirabraços
José alexandre Barros Fioravante
Sr.Lucio.
ResponderExcluirAchei muito interessante suas respostas.
Experiencia de vida e maturidade combinam
perfeitamente com seu perfil.
Saudações de ex-seminarista.
DURVAL 63-65
Lúcio, parabéns pelas respostas. No preâmbulo da entrevista, foi comentado suas atitudes paternalistas para com os "novatos". Fui um privilegiado sendo seu contemporâneo nos anos 1961 e 1962. Nas poucas vezes que se nos permitiam entrosamento nas três grandes divisões menores-médios-maiores, em várias delas me lembro de que alguns pirralhos e eu, termos nos aconchegado de voce. Sou testemunha de seus exemplos de piedade, convicção religiosa, enfim dos diversos atributos dos que na nossa época (não sei se hoje tudo continua assim?)almejavam o sacerdócio. Fiquei surpreso com o descaso dos superiores da época, em tê-lo como membro do clero. Perda lamentável, viu!
ResponderExcluirForte abraço!
José Fernando Crivellari
1961 e 1962
fernando.crivellari@ig.com.br
Lucio Inacio Rosa era a referencia que o modelo de seminarista estava no caminho certo, para as pessoas certas. Nele a gente sentia a camaradagem de se viver juntos, principalmente apegados a um ideal difícil. A cultura, a piedade, a disciplina, a participação e até aquela mão que nos dava nas horas difícieis. Só tinha um "defeito", era ruim de bola...rs...mas participava dos jogos e era bom no jogo de bocha. Como ele, existiam vários outros, como o Benedito Malvestiti, para citar um que era da turma dele, já felecido. Demorou para que eu o encontrasse lá no cantinho dele, ainda no Cura D´Ars. Um episódio nunca me saiu da cabeça. Eu fazia estágio na GE-Campinas, logo ao sair do SIC e um dia vi o Lucio pegando o ônibus na empresa. Logo me veio a mente a figura dele no SIC e estranhei que estivesse ali e alguem me contou sobre sua saida do Seminário e as dificuldades que estava passando. E no dia seguinte fui procurá-lo e fiquei sabendo que fora apenas um trabalho temporário e nunca mais o vi e fiquei muito triste. Agora fiquei feliz em saber que é Professor e que sua vida tomou um rumo bom. E então, participou de todos os encontros.
ResponderExcluirGrego,jose claudio (65-73)