sábado, 18 de dezembro de 2010

"Achava que por ser seminário todo mundo era "santinho" (inclusive eu)"


Hoje a publicação será em formato diferente. O entrevistado optou por escrever  de tal maneira que a pergunta seja deduzida a partir de resposta. Para simplificar ele numerou cada uma.

Mas, independente do formato podemos acompanhar a profícua trajetória e as reflexões de mais um dos nossos colegas de comunidade.

Embora única, como todas, há algumas semelhanças com a do entrevistado anterior (Chico Fumaça). Ambos nasceram na mesma cidade, foram contemporâneos no ex-SIC e escolheram o mesmo estado para morar na atualidade.

Assim ficou bem mais fácil vocês saberem, desde já, sobre quem estamos escrevendo. Não? Então, mais uma pista: seria ele de alguma tribo específica?

Confiram abaixo.

1) Entrei para o ex-SIC no dia 23 de março de 1960.

2) Na época pertencia a paróquia de Santo Antonio de Americana-SP.

3) Entrei para o seminário pois desde criança tinha o desejo de ser padre e também fui incentivado por mons. Nazareno Maggi pároco em Americana naquela época.

4) Eu tinha 12 (doze) anos quando ingressei no seminário.

5) Sai do seminário no final do primeiro semestre de 1963.

6) Estava com 15 (quinze) anos quando sai do seminário.

7) Eu pretendia continuar no seminário mas fui dispensado sob alegação que deveria primeiro cuidar da saúde. Tentei retornar mas sem sucesso.

8) Fora o aprendizado religioso e ensino básico o período que passei no ex-SIC foi muito proveitoso para o meu amadurecimento.
Quando entrei no ex-SIC, devido minha origem humilde, eu era um tanto ingênuo. Achava que por ser seminário todo mundo era "santinho" (inclusive eu).
Eu tinha apelido de Cacique. Não sei no que se baseou o inventor do mesmo que foi o José Arruda Lodi.
Mas eram comuns os apelidos no ex-SIC como Bolinha, Boi, Bié, Chico Fumaça etc.
Quanto ao ensino básico guardo gratas recordações das aulas de latim com pe. Longhi e aulas de matemática com pe. Sena.
Muitos ex-seminaristas alegam que as aulas de matemática com pe.Sena eram "crueis".
Sinceramente eu não achava, não que eu fosse um "expert" em matemática. Já no curso ginasial o nível era bem mais "pesado".

9) Na época não tínhamos acesso a jornais, revistas, e TV (a não ser jogos de futebol).
Na minha opinião deveríamos estar mais atualizados com a realidade nacional e mundial.

10) Depois que saí do seminário conclui o antigo curso ginasial e 2º grau no Instituto de Educação Presidente Kennedy em Americana.
Posteriormente fiz ciências contábeis na PUC de São Paulo.

11) Trabalhei no campo até 1966 quando consegui um serviço de auxiliar de contabilidade em uma empresa têxtil de Americana.
Em São Paulo inicialmente fui assistente contábil em uma financeira e posteriormente contador e auditor em empresa construtora.
Sai da empresa em 1995 e fui sócio de escritório de contabilidade em Jaragua do Sul-SC até 2004 quando aposentei.

12) Embora aposentado continuo prestando serviços eventuais em convênio com escritório de contabilidade.

13) Fui celibatário seguindo o conselho de São Paulo ( 1Cor 7,8) até 9-4-1994 quando conheci minha esposa a Maria Besen em Jaragua do Sul-SC.
Casamos em 17-6-1995. Não temos filhos.

14) A recordação mais marcante do tempo de ex-SIC foi a vida em comunidade, a disciplina , o ensinamento religioso e as aulas proferidas por personagens que ficaram na história como con. Luiz de Campos, Pe Sena, Mons. Luiz Fernandes de Abreu e outros.

15) Muitos personagens me impressionaram (sempre de forma positiva é bom que se diga). Contudo quem mais me impressionou durante o período que estive no ex-SIC foi sem dúvida mons. Luiz Fernandes de Abreu com quem mantive ainda contato posteriormente quando foi transferido para Iracemápolis-SP.
Da parte dos companheiros não poderia deixar de lado os amigos da minha terra natal como o João Antonio Bertier e o Paulo Bonganhi (o famoso Chico Fumaça). Muitos outros poderia citar como por exemplo o atual professor de teologia da PUC-Campinas pe. Benedito Ferraro.

16) Não guardo mágoas e sim considero que houve alguns fatos que me surpreenderam na época mas que posteriormente me serviram de lição.

17) Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-sic porem já amadurecido e sem depender dos pais e paróquias.

18) Como já informei o principal fator foi o meu amadurecimento sob ponto de vista psicológico e espiritual.

19) Atualmente juntamente com minha esposa prestamos serviços eventuais na Igreja Católica.

20) Participo sempre com minha esposa das missas bem como de outras cerimonias.

21) Quanto a minha religiosidade a principal mudança prende-se a reflexão da fé. A fé é um dom de Deus que exige e aperfeiçoa a inteligencia e não apenas a mente ou imaginação. Como virtude sobrenatural constitui graça divina que supõe, exige e aperfeiçoa a inteligencia e o coração ou mente . Fé sem reflexão é ingenuidade ou fanatismo. Hoje aprendi: não aceitar explicações do outro mundo quando existem deste, não aceitar métodos de indução psicológica ou de alienação, discernir e só ficar com o que é bom e verdadeiro (1Ts 5,21), ser simples como a pomba e prudente como a serpente (mt.10,16)
Hoje leio muito mais que naquela época. Apenas para citar alguns autores: João Batista Libanio, Renold Blank, pe. Leo Pessini, Maria Clara Bingemer, pe. Benedito Ferraro, Frei Antonio Moser, Alselm Grun, Frei Ovídio Zanini (professor de teologia e filosofia por 25 anos em seminários maiores).

22) A Igreja Católica naquela época se preocupava muito com a parte legalista e litúrgica. Hoje a Igreja Católica reconhece os erros do passado e humildemente perde perdão. Hoje a Igreja Católica prega Jesus Cristo como fonte de vida, solidariedade, libertação e salvação convidando a sociedade a buscar caminhos de libertação dos pobres e excluídos. Também um grande passo que a Igreja Católica deu foi a abertura ao ecumenismo promovendo o diálogo intercristãos.

23) Acho os reencontros com os ex-colegas uma excelente oportunidade de rever os amigos daquela época .

24) Que tal marcarmos um dia de confraternização aqui em Florianópolis? Contudo se o encontro for em outro local terei o prazer de participar.

25) Creio que as perguntas foram suficientes para responder vários assuntos.

26) Somente endereço na internet (miza@aradio.com.br).

27) Um abraço fraterno a todos os amigos do ex-SIC e que possamos um dia nos reencontrar. A amizade é como o sol que ilumina a vida da pessoa. Já dizia o filósofo romano Marco Túlio Cícero: "Tiram o sol do mundo aqueles que tiram a amizade da vida".
Um Feliz Natal, Um Prospero Ano Novo, e que Deus os abençoe.

Obrigado mais uma vez!

Mizael de Toledo

E então? Que tal um encontro em Floripa?

Tal como ele eu também lhes desejo um Feliz Natal, com muita alegria, muita paz, reflexão e que todos os objetivos para 2011 possam ser concretizados.

Esta entrevista é a última a ser publicada este ano. Os 2 próximos finais de semana não terão entrevistas publicadas. Mas nada impede que vocês comentem. Aproveitem a reflexão sobre a fé que o Mizael expressou e compartilhem suas opiniões com os colegas.

Os comentários serão sempre muito bem vindos. Só peço que identfiquem-se caso comentem como anônimo.

Lembrem-se também que podem comentar utilizando nosso grupo no Facebook, Inte(g)ração. A diferença é que lá seus comentários terão alguma privacidade, pois serão lidos apenas por quem inscreveu-se no grupo. Ou seja, apenas os da comunidade ex-SIC.

Até o final da 1a. semana da 2a. década do 3o. milênio. Resumindo: 8/Jan/2011

José Reinaldo Rocha(62-67)

sábado, 11 de dezembro de 2010

"Aprendi muito no seminário, mas faltou mesmo aprender a ser padre"

Qual adolescente nunca começou a escrever um diário? O meu não demorou mais que 2 semanas, quiçá 2 dias. Felizmente o nosso entrevistado de hoje foi persistente e escreveu durante muito tempo de sua adolescência e juventude.
Sorte nossa. Pela primeira vez nesta série de entrevistas leremos relatos sobre fatos, sem o filtro da memória. São citações do seu diário.
Ficou curioso para saber como eram as anotações de alguém que conviveu no ambiente do ex-SIC? Garanto que a leitura das respostas o deixará com a sensação de "quero mais!".
Então acompanhem a trajetória super ativa e multifacetada deste nosso colega.

  • Quando entrou para o ex-SIC?
Em 1959,  mas como não passei no exame de admissão (lembram-se dele?)  tive que frequentar a turma do admissão, por isto fiquei na turma de 1960.
  • De que cidade/paróquia?
De Americana-SP, da paróquia de Santo Antonio.
  • Por que entrou para o seminário?
Família católica e pobre, era um menino ativo, moleque bom de bola, de pião, de fubeca (bola de gude), de soltar papagaio (pipa), que estudava em escola pública. Fui coroinha, me ligando muito  ao vigário da paróquia de Santo Antonio, Mons. Nazareno Maggi, homem culto, idealizador e empreendedor (planejou e construiu a igreja matriz de Americana (como réplica da basílica de S.Pedro), repleta de pinturas artísticas by Gentilli (pintor italiano), que emocionam tantos quantos a frequentam e visitam. Sabia “tudo” das cerimônias religiosas, respostas em latim, tocar os sinos para qualquer cerimônia (missa normal, missa de 7° dia, falecimento de adulto, de criança etc) e tinha “trânsito”  em todas as atividades da paróquia. Por que não ser padre também? Seria natural não?  E fui levado ao seminário de Campinas, ainda de calça curta, pelo meu vigário.
  • Quantos anos tinha quando entrou?
12 anos completos, pois sou de janeiro.
  • Quando saiu do ex-SIC?
Em junho de 1965, na segunda série do colegial.
  • Quantos anos tinha quando saiu?
18 anos e 6 meses.
  • Por que saiu do seminário? 
Fui avaliado, como todos eram, e diante do atos de inquietude, rebeldia, e desobediência de algumas normas vigentes, me foi dito que eu deveria viver “lá fora” um tempo e pensar sobre o que pretendia fazer da vida. Após esta decisão, anotei em meu diário dia 22/6/1965 (escrevi 19 cadernos (aqueles do MEC (lembram-se?), cerca de 2.200 páginas, no período de dezembro 1961 a dezembro 1966, os quais guardo comigo até hoje): “Padre Vanim chamou-me ao quarto dele. Disse que formou sua opinião e que eu não dou para continuar no Seminário. Que não posso ser padre. Aconselhou-me que saísse para meu próprio bem. Anotado no seu fichário estavam escritos meus defeitos: independente, auto-suficiente, mais ou menos revoltado, ciclotímico (altos e baixos emocionais), misterioso e fechado, desajustado na recreação e na classe, falta às aulas e saídas da comunidade sem justificativas, parece não confiar na ação e orientação dos superiores, não vibra, egoísta, tem certo “misticismo”. Saí da sala nem triste nem alegre. Dia 26/6 – Durante a missa, o chefe (mons. Bruno) chamou-me. Iniciou dizendo que a opinião dos padres é que devo deixar o seminário. Levei um “pequeno” choque. Claro, por esta não esperava. Disse para eu aproveitar este tempo para “fortalecer” a vocação, para ver se desejava seguir o Cristo ou não. Disse-me que não comunicasse a minha saída para ninguém, mas não me contive. Tinha que me despedir dos amigos. Contei a cada amigo. Não queriam acreditar. Choque geral. Tristeza amical. Olhos anuviados. Corações amargos. Fiquei as últimas horas com os amigos. …. Saberei ser o Chico de sempre. O Chico cristão, o Chico amigo, o Chico Paulo. Há muito que pensar. O melhor é dormir.”
  • O que aprendeu no ex-SIC?
De meus pais trouxe a ética, a moral e a honestidade e do SIC aprendi a cultura, a educação social, a observação das normas, dos ritos, das metodologias canônicas. Enfim, como nossa formação partia de uma “ tabula rasa”, podíamos acreditar que tudo ali era para que o reino dos céus fosse alcançado.  Aprendi  a ser líder, a ter gosto pelos estudos, pela leitura (Li todos os volumes da coleção História Universal de Cesare Cantu, Julio Verne, Machado de Assis, Michel Quoist, etc.), pelas artes (teatro, rádio, música,cinema), pelo esporte (procurava praticar todos de campo e de mesa), pela convivência em grupo, pelo silêncio coletivo, pelo trabalho social (na comunidade do Paieiro), pela ajuda aos colegas exercitada quando treinava as equipes de médios e de menores, pela importância da carestia que tínhamos e nos levava a aproveitar tudo, a reciclar e  recuperar o que fosse possível. Lembram-se dos consertos de bolinhas de ping-pong, dos consertos das câmeras de ar das bolas furadas, das encadernações, dos livros das turmas anteriores, onde constavam, inclusive, as piadas que seriam contadas todos os anos, naquela página, pelo cônego Luiz? Aprendi a ser um exímio datilógrafo, que me colocou nas áreas administrativas do Exército, quando fui incorporado, além de me permitir, até hoje, digitar com os dez dedos, sem olhar o teclado. Enfim, recebíamos uma formação acima da média, pois ao ingressar novamente  nas escolas públicas, éramos uns dos melhores em Português, Línguas (fiz meu vestibular para Ciências Sociais em Francês), História, Ciências. Aprendi matemática para a vida (como dizia o inesquecível Padre Sena, mais inesquecível ainda quando descobri que era são-paulino), a fazer contas de cabeça (não tínhamos calculadoras). O desenvolvimento da oratória, através da desinibição para enfrentar as leituras em público, as poesias, críticas e discursos na Academia São Luis de Aquino, importantíssima na minha vida profissional, como palestrante e instrutor de cursos in company.
  • O que faltou aprender?
A educação foi tudo para minha vida e, com certeza, na vida de todos. Aprendi muito no seminário, mas faltou mesmo aprender a ser padre, pois o objetivo do seminário era preparar os jovens para se tornarem padres, mas a eficácia das técnicas não funcionaram bem, pois o número de seminaristas encaminhados ao seminário maior x número de internos era muito pouca e menos ainda se computarmos as desistências no seminário maior e também pós ordenações. Aprendemos que muitos eram chamados e poucos escolhidos, mas com certeza algumas vocações foram prematuramente descartadas.
  • O que fez depois que saiu? Estudou o que?
De volta ao mundo secular, nenhuma bússola tínhamos tanto no campo profissional como educacional. Mas a formação escolar (com forte tendência para as letras e educação) nos levava para o setor de humanas. Saí no meio do 2ª série do Clássico e me matriculei em Americana, onde conclui (sem precisar estudar devido à grande base que tínhamos (imaginem Português, Francês, Latim (tinha latim ainda), História etc.). Como havia me alistado no exército (enquanto seminarista ainda), tive que me incorporar e fui servir na Escola de Cadetes de Campinas e conclui o 3° Clássico, no colégio Vitor Meirelles em Campinas. Ali ganhei um prêmio (1° lugar) de História (uma medalha do Exército) em um concurso para as escolas públicas, quando escrevi sobre a vida de Duque de Caxias, o que me promoveu na escola e no Exército, onde servia, já como Cabo de carreira. Acho que merece explicação porque fui fazer o exército. Eu queria fazer faculdade na PUC Campinas para me dedicar ao magistério. Origem pobre (lembram-se?), família não poderia me sustentar novamente, então optei por seguir carreira no Exército de janeiro 1966 a agosto de 1968 (afinal de seminarista a soldado o modus vivendi não mudava muito: disciplina, obediência, ordem, hierarquia, superiores etc. Embora as diferenças eram de orientação, de objetivo final. De seminarista a soldado. Que ironia! Mudava o foco, a meta, mas o objetivo meu era ter onde morar (no quartel, onde eramos denominados de “laranjeira” ), fiz curso para Cabo para ganhar mais e diminuir os plantões e poder ter mais tempo para estudar mais (foram recrutas meus Wisiack, Berthier e o Sturaro (Veio). Que ironia do destino!). Com isto consegui pagar o curso de Ciências Sociais (PUCCampinas), de 1967 a 1970. Nesta época, os ex-colegas já estavam na casa do Bosque e estudando Filosofia durante o dia. Já em São Paulo, quando atuava como supervisor da área de Desenvolvimento e Treinamento, na Villares, tive a oportunidade de fazer a Faculdade de Administração de Empresas (de 1978 a 1981), para poder legalizar minha carreira com registro no CRA. Em Minas Gerais, fui dirigir a área de Recursos Humanos da Mangels e senti necessidade de dominar melhor a área jurídica e cursei a Faculdade de Direito (1985 a 1988), me tornando advogado com OAB-SC n° 17511-B.
  • Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Fui levado para a General Electric-Campinas, pelo professor de Antropologia Desiderio Aitai (que trabalhava na GE), para atuar como Analista de Treinamento. Fui para a Suzano, em São Paulo, para compor a equipe de Treinamento e fundar o Jornal Interno do Grupo. Fui contratado pela Villares para atuar em treinamento operacional e administrativo (para onde levei o Gabriel (Bié) para trabalhar na minha equipe. Fui para a Mangels como Desenvolvimento de Executivos onde tive a oportunidade de trabalhar em São Bernardo, São Paulo e Três Corações-MG, (onde continuei jogando futebol, sendo diversas vezes campeão nos Campeonatos da cidade, onde recebi de presente a camisa 7 do Greminas como recordação da “aposentadoria” dos campos de futebol.). Fui para a Gradiente de Manaus, onde atuei como Gerente de Recursos Humanos e Administração, por 2 anos. Fui contratado pela TIM para coordenar as atividades administrativas, logística e de recursos humanos na Bahia e Sergipe (sede em Salvador), Minas Gerais (sede em BH) e finalmente Estado de São Paulo, (sede em São Paulo), para a implantação da telefonia celular no Brasil pós-privatização, onde permaneci até 2002 e encerrei minhas atividades na carreira de Administrador em Recursos Humanos e Gestão Estratégica de negócios. Enfim, uma vida dedicada à formação de trabalhadores, de executivos, de orientação profissional e pessoal, alicerçada na formação recebida no processo educacional e religioso e respeito pelo ser humano nos 6,5 anos de seminário.
  • Trabalha ainda?
Felizmente ainda me encontro em plena atividade mental e física para continuar trabalhando na área administrativo-financeira e recursos humanos na Neoprene do Brasil, empresa de produção e distribuição de neoprene (www.neoprene.com.br),em Garopaba-SC, e sócio da empresa BN, proprietária da marca Truzz (www.truzz.com.br), após passar por uma experiência como empresário de fabricação de bolsas e mochilas, de 2002 a 2006. Como dizem os sulistas: “tu és um guri ainda!”.
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Minha esposa Janete agradeceu pessoalmente o Pe. Vanim no encontro de Indaiatuba, por ter me dispensado do seminário e poder casar comigo em 1968. Temos os filhos Marcelo (40) e Ricardo (36) e 3 netos (Tais, Yasmin e Fabrizio). Fato interessante é que a Janete (residia na rua de baixo da minha) era filha de evangélicos e eu filho de católicos e ex-seminarista. Como casar, sendo os noivos de religiões diferentes? Com todos os estigmas e preconceitos da época! Minha família não entraria na igreja evangélica e a família da minha noiva não entraria na igreja católica. A solução foi casar em casa e para isto tive que pedir permissão ao Bispo de Campinas. Recorri ao padre Arlindo De Nadai para oficializar o matrimônio católico, juntamente com um pastor evangélico. Ninguém acreditava no que estava acontecendo, pois deve ter sido o primeiro casamento entre um católico e uma evangélica. E notem, que nesta época ainda sob efeito das mudanças do Concílio Vaticano II, e eu vinha atuando muito intensamente como comentarista nos “novos” ritos religiosos. O casamento foi por puro amor, pois tivemos que vencer muitas adversidades conceituais-religiosas e estamos juntos há 42 anos, comemorando a cada ano, mais um ano de vida juntos e em harmonia. O respeito um pelo outro esteve acima de tudo e nunca nos preocupamos em tentar convencer um ao outro qual religião é melhor.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC? 
Foram 6,5 anos passados intra-muros, pois éramos internos, sem convivência familiar, (apenas nas férias), vivendo entre colegas, na busca de um ideal comum, estudando, rezando e se divertindo. No estudo, a necessidade de utilizar todo tempo disponível para aprender, ler e estudar, embora focado mais nas atividades humanas que nas ciências exatas, apesar do esforço do Pe. Sena. Marcaram-me muito as atividades da Academia Literária São Tomás de Aquino, onde nos exercitávamos na oratória, na declamação, nas críticas literárias. Ganhei um livro de honra ao mérito pelo melhor trabalho da classe, em 4/12/1964, assinado por Mons. Abreu e Fernando Benini. Que troféu! A base foi tão forte que na vida profissional fui muito valorizado pela capacidade de falar em público, pelas palestras e treinamento de executivos. A criatividade aprendida no teatro, bastante improvisado, mas sempre alegrando e divertindo as platéias. Aprendi a dar valor ao silêncio para fazer as refeições, (lembram-se como se pedia arroz, feijão, água etc?), para meditar, para ler, para ouvir a leitura nas refeições, para conversar com os colegas. Uma vez por mês, era de visita e eu esperava minha mãe trazendo notícias da família e algo diferente para comer. Na vida religiosa, todo ritual litúrgico que parecia ad eternum, mas totalmente alterado pelo Concílio Vaticano II, banalizando seculares orientações católicas. As orientações dos conselheiros espirituais serviam para nos delimitar nas ações em comunidade, na convivência com os colegas. Na vida social e esportiva, todos nós queríamos participar e fazer o melhor, pois eram onde se poderia extravasar, onde se poderia demonstrar as habilidades inerentes a cada um, quer na música, no teatro, na coordenação de atividades, nos esportes, especialmente no futebol, que sempre unia todos. Até hoje faço as séries dos exercícios de ginástica que fazíamos. Participar das seleções de futebol era o sonho de cada um e o Chico Fumaça marcou sua história. Uma passagem transcrita de meu diário: “1/4/1962 – Domingo – No recreio do almoço o pe. Vanim deu-nos uma instrução sobre o modo de jogar. Às 15,40 começou o jogo: Seminário x Itapira. Não comecei a jogar. Mas o Pe. Hugo machucou-se e eu entrei logo no começo. Acabou o 1° tempo. Estávamos perdendo de 1 x 0. Começou o 2°. O Vicentim foi de centro-avante e o Bacarim entrou. Perdíamos de 2 x 0. Logo depois 2 x 2. Jogo duro. A torcida animou e eu com um chute de esquerdo no sem pulo marquei o gol do desempate. Foi minha estréia na Seleção (do Seminário, com 15 anos) e comecei com um gol. Vencemos por 5 x 2. À noite houve a última prática do Retiro. Dormi. Assim acabou um dia de glória para mim.“ Outra passagem anotada no diário: “29/11/1964 – Domingo – O Seminário jogou e venceu um time de Limeira por 6 x 2. Marquei um gol e gozei dos meus marcadores. Dribles, corridas, levadas tudo fez parte da minha fúria contra o (marcador) que me machucou. A torcida gostava e sorria e apupava. Fecharam-me e pediram para parar senão iam me bater. Nem dei bola. Continuei. Acabado o jogo os colegas vieram gozando e fazendo pilhérias pelos meus dribles e gozações. E eu gostava disto tudo.”
  • Cite um personagem com quem conviveu na época e que o impressionou positiva ou negativamente.
Positivamente meus inesquecíveis colegas de classe como Bié, Bolinha, Boi, Raul, Venturoli, Felício e outros como Benini, Wiziack, Nivaldo Amstalden, Lota (do bairro Paieirão). Dos superiores Mons. Bruno Nardini (disciplinador), Conego Luis (pela esportividade) e Mons. Luiz de Abreu (pelo idealismo e cultura). Aprendi a rir com nossas encenações teatrais, especialmente as criadas pelo Benini e lembro-me uma do Raul que ficou famosa: quando a peça se encerrou e as cortinas se fecharam rapidamente o Raul ficou do “ lado de fora “ da cortina e sem saber o que fazer virou-se de costas para a platéia que já batia palmas e lascou esta: “ai minha bunda!” e correu para dentro do palco. Pelo inusitado, as gargalhadas foram retumbantes.
  • Sobrou alguma mágoa? Qual?
Estávamos num turbilhão de mudanças sociais (Concílio, Jovem Guarda, Guerra Fria União Soviética-Estados Unidos, Revolução Militar 64 ) e não fomos preparados para nada disto que estava ocorrendo extra-muros (ah! Sim aprendemos muito sobre a Revolução de 1932) e cada um teve que viver sua própria experiência. Seria diferente? Estive entre a cruz (ex-colegas do ex-sic estudando filosofia ) e o fuzil (militar orientado para enfrentar os distúrbios dos estudantes). Que conflito!!!
  • Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
A experiência de vida é impar, imutável e de reflexos perenes na vida pessoal, social e profissional. E colocada no tempo em que se viveu. Por isto, se voltasse no tempo, certamente, voltaria para o seminário e viveria as mesmas experiências. Ah, se pudesse ter mudado alguma coisa, mudaria sim a forma de seleção das competências pessoais e as orientaria para a vida e não apenas se serviria ou não para ser padre. A frustração de ser desligado do sistema foi muito traumática, afinal ser padre não seria uma profissão, mas um representante da Igreja, inserido dentro de uma rígida hierarquia.
  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
O ingresso no seminário me tornou uma pessoa bem preparada culturalmente, um líder, um estudioso, um humanista. A saída me colocou no mundo de forma despreparada, sem entender que caminho se poderia seguir, se tudo que se praticava era verdade ou apenas ritual decorado, especialmente depois que alguns que nos orientavam deixaram de pertencer a este seleto grupo.
  • Dedica-se à Igreja Católica atualmente?
Por alguns anos me dediquei às cerimônias litúrgicas, imaginando que poderia auxiliar os fiéis a entender as mudanças provocadas pelo Concílio, poderia ser útil para a minha paróquia. Mas, não tinha mais o estigma do “seminarista” e tudo foi esmorecendo. Após meu casamento, mudei para Campinas e esperei ser “convocado” para participar da nova paróquia, mas pura ilusão. Ninguém tomou conhecimento de minha chegada e me senti solto. Pela orientação bíblica, o pastor tinha que procurar as ovelhas e não a ovelha procurar o rebanho.
  • Qual sua relação com a religião atualmente?
Mantenho minha religiosidade, mas nenhuma dedicação específica. Lembrem que estou casado com uma evangélica, e que nos amamos muito. A religiosidade está inerente em nossas vidas, mas a vida litúrgica, sistemática, aquela de obrigação de missa semanal, confissão periódica, etc, não tenho mais. Rezo todos os dias, tenho minhas dúvidas teológicas, e me sinto bem espiritualmente. Acredito que as orientações da Igreja que recebíamos focavam mais o controle social das sociedades, a educação para viver em comunidade de forma harmoniosa, do que para buscar efetivamente o reino de Deus. E depois, com os avanços que fizemos nos estudos, com o aumento das informações das diferentes culturas, inclusive as orientais, com suas religiões diversas, com as evoluções científicas, muita confusão se instala em nossas mentes e nos faz pensar o que é certo ou errado.
  • Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
Estudei Sociologia e Antropologia e identifiquei bem as funções da sociedade e os papéis que são desempenhados na vida. Naquela época, vivemos um papel bem definido pela Igreja, onde tudo nos levava a exercer os atos litúrgicos de forma repetitiva, mecânica e quem sabe desinteressada. Tínhamos tudo programado, dia após dia, ano após ano. E nos remetiam sempre a ter fé, a acreditar no divino, no espiritual. Minha religiosidade estava bem centrada nas oportunidades que tinha em ser um personagem atuante na liturgia, como coroinha, como seminarista, como membro da comunidade religiosa. E ser padre, seria mais um papel que poderia perfeitamente desempenhar na sociedade? Depois, descobri que podemos desempenhar diferentes outros papéis sem deixar de manter a religiosidade inerente ao ser humano. É assim que encarei minha vida pós seminário: em cada papel que eu assumisse fazia o melhor de mim, respeitando o próximo como Ele nos ensinou, as leis vigentes para viver em paz com a sociedade e apoiando-me na espiritualidade impregnada em meu interior.
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Da atual, estou um pouco desligado e não tenho acompanhado suas evoluções e mudanças. Dá para relembrar das influências de pessoas carismáticas, de quando tive a oportunidade de ir receber o papa João Paulo II na av. 23 de maio, quando de sua primeira vinda ao Brasil, onde milhares de pessoas se acotovelavam para vê-lo e de ir a Roma na praça de S. Pedro lotada, onde estive na primeira fila e poder pegar em sua mão. Que emoção! Que carisma! Tive oportunidade de ler os sermões rascunhados pelo Mons. Nazareno Maggi, meu vigário, que se preparava para cada missa dominical e estudava o que desejava dizer aos fiéis. Que carisma! Hoje, quando assisto uma missa e ouço os sermões, percebo as dificuldades retóricas e de oratória dos oficiantes, as dificuldades para motivar os fiéis. Até porque, está tudo padronizado pelos folhetos nacionalmente impressos. Perdeu-se o Carisma inerente à função sacerdotal. Então, prefiro ficar com a Biblia, a qual leio periodicamente e rezo diariamente. Até porque, a oração é um momento de silêncio que me mantem acreditando em algo espiritual.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Quando recebi o telefonema do Grego, me achando em Garopaba-SC, fiquei animadíssimo para rever os colegas de um período fantástico de minha vida. Foi uma enorme lufada nas brasas ainda acesas e ocultas pelas cinzas do tempo. E tudo se reavivou. Nada seria melhor que recontar as histórias antigas e rememorar os fatos que nos marcaram. Mais importante foi saber que existia uma ligação emocional em cada um que ia chegando, se abraçava e se identificava, não importando se os cabelos tinham ficado brancos, quando haviam, ou se o peso tinha duplicado. Outro fato marcante, foi a coleta de fotos da época, organizadas por temas, para nos avivar e é tão gostoso, de vez em quando, ir olhando os rostos de nossos colegas e buscar na memória os fatos que nos ligavam. Depois o blog e agora as entrevistas, que tem revelado pontos interessantes dos colegas. Curto muito todas as notícias e informações dos colegas.
  • Alguma sugestão?
Entoar um Te Deum para os que têm reordenado esta história do ex-sic, especialmente o Greco (que me reacendeu as chamas do passado) e o Rocha.
  • Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
Bem que todos os entrevistados pudessem citar os “papéis” que cada um desempenhou durante sua vida, “os títulos” que revelariam as atividades e os sucessos de cada um. Então começo por mim. Além de minha vida profissional, atuei como diretor da Associação Brasileira de Jornais de Empresa (Aberj), diretor da Associação Paulista e Brasileira de Recursos Humanos, diretor da Federação Paulista e Brasileira de Ciclismo, como redator e divulgador das provas oficiais. Professor contratado pelo SENAI para cursos in company. Autor de artigos no livro Manual de Treinamento e Desenvolvimento, em suas 3 edições, membro do Conselho de Desenvolvimento da cidade de Três Corações, presidente do Clube Atlético de Três Corações, que atuava na 2a. Divisão de Minas Gerais, presidente do Rotary Club de Três Corações e Coordenador da campanha política que elegeu minha esposa Janete como a primeira mulher Vereadora de Três Corações, em 1988.
  • Qual a Seleção do Seminário que mais marcou época?
Goleiros: Sawaia (Delmo e Ambiel), Zagueiros: Butti (Boi), Bié, Pe. Vanim (Onça), Bacarim, Armação: Ferraro (Palmeirinha), Morais (Wiziack), Paulo Cesar Provinciato Atacantes: Menegon (Ébene), Vicentim, Chico Fumaça.
  • Há algum outro endereço na internet que tenha mais informações sobre você? Algum "link" que você queira divulgar? 
No google, procurar por Bonganhi, Paulo Sebastião. Nas empresas onde atuo: do meu filho Marcelo www.neoprene.com.br e do Ricardo www.truzz.com.br
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
Embora cada um tenha seguido seu próprio caminho, aproveitado as oportunidades profissionais, buscado suas próprias realizações e alcançado seu próprio sucesso pessoal, bom seria, se cada um de nós, especialmente os colegas da própria turma e turmas adjacentes, pudesse estar mais aberto a trocas de experiências, contatos contínuos e maior aproximação, adotando o que se convencionou chamar de networking profissional e pessoal. Agora, depois dos diversos encontros e os dados registrados (nome, emails, endereços, telefones) seria possível maior aproximação, maior abertura e consequentemente maior ajuda mútua, nas diferentes oportunidades e necessidades que possam surgir. Enfim, não apenas reviver nosso passado, mas viver juntos o presente e o futuro. Nós temos um DNA em comum, que nos une e aproxima. Basta manter a chama acesa!
Paulo Sebastião Bonganhi 
(Chico Fumaça)


Valeu Chico Fumaça!

Muito bem feita a conclamação para "estar mais aberto a trocas de experiências, contatos contínuos e maior aproximação, adotando o que se convencionou chamar de networking profissional e pessoal".

Lembro a todos que para ajudar nisso foram criadas algumas facilidades:

1) Uma lista de contatos, que vocês podem ter acesso através do "link' que foi passado algumas vezes por e-mail. Quem não recebeu ou perdeu este "link" e quiser tê-lo novamente, basta escrever para ex.sic.1955@gmail.com.

2) Na rede social "Facebook" foi criado um grupo (Inte(g)ração) para permitir "maior aproximação, maior abertura e consequentemente maior ajuda mútua, nas diferentes oportunidades e necessidades que possam surgir". Por ser um grupo fechado apenas os inscritos podem ter acesso ao que lá é publicado. E somente está sendo concedido acesso aos ex-SIC. Foi enviado e-mail com instruções de como participar do grupo. Se quiser obtê-las novamente, escreva-nos.

Se houver outras ideias, avisem-nos que apoiaremos e/ou divulgaremos.
Não nos deixem sós!...rsrs


Até semana que vem.

J. Reinaldo Rocha (62-67)

sábado, 4 de dezembro de 2010

"Aos ex-Sic digo que a escola fechou mas não morreu, permanece viva em sua maior obra, representada por nós todos que por lá passamos"

Hoje publicamos a entrevista de uma pessoa diferente. Como a Margarida, ele deu aulas no ex-SIC
Nunca foi seminarista. Mas, nem por isso deixou de incorporar-se à comunidade, contar-nos sua história de vida e apresentar seus pontos de vista. 

Recomendo enfaticamente a leitura das suas respostas. É uma leitura agradável (como ele sabe contar uma história!) e com a visão de alguém diferente de nós que tínhamos o objetivo de "ser padre". Portanto, leiam as histórias cativantes e os pensamentos de

 Nelson de Luccas
  • Quando começou a trabalhar no ex-SIC?
Comecei a trabalhar no ex-SIC em 1967.
  • Originário de que cidade?
Monte Mor S/P
  • Porque aceitou trabalhar no ex-SIC?
Estava no último ano do curso de História da Universidade Católica de Campinas quando fui convidado para lecionar no Seminário. Aceitei de imediato, pois era uma oportunidade de estágio, obrigatório para o último ano da faculdade, e, também, uma chance de desenvolvimento da prática em sala de aula, além do salário, que embora pequeno, era um presente dos céus para um pobretão como eu.
  • Que atividade ocupou no ex-SIC?
Professor de História.
  • Quando deixou de trabalhar no ex-SIC?
Deixei o ex-SIC no final do ano letivo de 1969.
  • Por que?
Saí do Seminário pelo fato de ter conseguido algumas aulas em Monte Mor e ainda por exercer outra atividade – consertava rádios e televisores – o que tomava todo o meu tempo.
  • Quantos anos tinha na época?
Comecei a trabalhar com 23 e saí com 26 anos.
  • Qual sua trajetória acadêmica antes e depois do ex-SIC?
Estudei História na UCC, hoje PUC de Campinas, e posteriormente Desenho e Artes Plásticas na FAFICILE – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Tatuí.
  • Qual sua trajetória profissional antes e depois do ex-SIC?
Antes do ex-SIC, estudava e reparava rádios e televisores, num quartinho nos fundos de minha casa. Depois de formado continuei como professor no ensino público estadual por pouco tempo. A falta de aulas me obrigou a abandonar o magistério, sair do quartinho e montar uma loja de consertos e vendas de rádio, televisores, eletrodomésticos, alto falantes, antenas de TV etc. Meu sonho, porém, era voltar ao magistério. Voltei, prestei concursos e ingressei no ensino público estadual e municipal.
  • Trabalha ainda?
Hoje sou um professor aposentado. Trabalho somente em projetos sociais.
  • Casou? Tem filhos? Netos?
Casei-me em 1973 e continuo casado com a mesma mulher. Tenho três filhos e ainda não tenho netos.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
Bons tempos de ex-SIC. Foi um privilégio praticar a arte de lecionar naquela escola. Passei por muitas outras e por isso posso afirmar com propriedade que a Ex continua sendo inigualável.

O começo:

Era início do ano letivo de 1967. Deveria ser, aproximadamente, vinte horas quando bateram à porta de minha casa. Centro de Monte Mor, casarão do século XIX, batentes enormes, paredes de taipa, teto coberto com telhas feitas nas coxas, sustentadas por vigas de madeiras moldadas a machado e enxó e caibros de coqueiro. O forro vergado pelo peso dos anos, parecia cair a todo instante. O piso assoalhado com tábuas largas e gastas formava frestas que engoliam moedas e os finos saltos dos sapatos femininos. O banheiro nojento exibia peças centenárias, amareladas e desgastadas pelos anos. As portas e janelas não conheciam chaves, eram fechadas com trancas e tramelas, outras vezes sustentadas pelo peso de uma cadeira. As vidraças armadas de cedro, há muito tempo divorciadas dos vidros, exibiam espaços vazios. Os cupins disputavam os últimos pedaços das madeiras que estavam por todos os lados.

Fui atender a porta. Não convidei para entrar os dois padres que ali estavam. Minha casa minha vergonha. Que bobagem, ali eu era tão feliz!

Monsenhor Bruno, tendo ao lado o padre Daóleo me diz:

-Boa noite. Queremos falar com o senhor Nelson de Luccas.

-Sou o próprio, respondi.

- Estamos precisando de um professor de História para trabalhar no Seminário da Imaculada de Campinas e estivemos na faculdade buscando um aluno do último ano. Por indicação do diretor, Cônego Amaury Castanho, estamos aqui para convidá-lo a trabalhar conosco.

Emudeci, um calafrio correu meu espinhaço. Eu, um caipira de Monte Mor? Indicação do diretor? Professor de um Seminário? Onde será isso?
Não sei como, mas disse sim. Recebi um cartão com o endereço, trocamos mais algumas palavras e nos despedimos. Petrificado ali permaneci por alguns minutos. Aos poucos meus sentidos voltavam a funcionar enquanto milhares de questões invadiam meu espírito.

Primeiro dia.

Terno preto, comprado numa promoção de final de ano das lojas Ducal – “Compre dois ternos e ganhe um relógio”- camisa branca com abotoaduras e gravata emprestadas de meu pai, sapato preto, sola meia vida, engraxado e lustrado e no pulso o relógio Leroy, daqueles de corda, que ganhei naquela promoção de natal do ano anterior.

No cabelo, brilhantina Glostora, num dos bolsos um lenço, em outro um pente Flamengo, uma caneta Parker 21 vermelha, uns trocados para a viagem, lá vou eu.

Minha mãe, como sempre me abraçou, deu o costumeiro beijinho, passou carinhosamente uma das mãos no meu braço e desejou boa sorte. O Toquinho, cachorrinho pequinês, deu dois latidos, acariciei-lhe os pêlos e saí. Andei dois metros e ouvi as palavras de mamãe: -Deus lhe acompanhe.

O ônibus de Monte Mor à Campinas fazia seu ponto final frente a um prédio situado no lado oposto da estação ferroviária da Fepasa, Atravessando a rua encontrava-se o ponto do circular, que cobria o trecho Bonfim-Swift. Chegou tão apinhado de gente que só havia um lugar para mim nos degraus da escada da porta. Literalmente só havia o espaço a mim e à alça de minha bolsa preta onde levava meus livros e minhas anotações. A porta fechou-se e a bolsa ficou espremida e do lado de fora e assim foi até o próximo ponto quando então desceram todos os passageiros exceto eu e um senhor de meia idade com cara de poucos amigos.

O circular parou na avenida. Desci e comecei a caminhar em direção à entrada. Cinquenta metros, aproximadamente, que me pareceram muitos quilômetros. Parei várias vezes com uma vontade louca de desistir. O coração não dava conta de tanto bater, afinal estava diante de um desafio que, embora fuja do entendimento humano, para mim representava romper meu fechado mundo para entrar noutro totalmente desconhecido.
Entrei.

Primeira aula.

Já havia ministrado aulas particulares a pequenos grupos de alunos e praticado nas aulas de didáticas. Não era, pois, totalmente analfabeto no assunto, mas mesmo assim o pavor foi meu companheiro. Aos poucos, enquanto a aula acontecia, fui acreditando no que fazia. Afinal estava bem preparado para aquela primeira aula. Era a quarta série, hoje oitava.

Tudo corria bem, não fosse o mussitar de alguns alunos e os consequentes risinhos. Não estava preparado para tal situação e “soltei os cachorros” sobre aqueles que seriam, posteriormente, meus mui queridos e simpáticos alunos.

Ao final da aula, um garoto – acho que foi o Maróstica - portando a voz de todos os colegas apresenta as devidas desculpas e promete a não repetição do fato. Cumpriram a promessa.

Os arroubos da juventude me levaram à pretensão de ser um violonista. O tempo mostrou ser impossível, mas naquela época, com muito esforço e dedicação conseguia que meu instrumento balbuciasse algumas notas. Isso encantava alguns alunos que sempre estavam a me pedir uma música.
  • Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
Poderia citar várias pessoas com as quais convivi e que me impressionaram positivamente, além de terem sido importantes para minha formação, não só como professor, mas, especialmente como ser humano. Como devo citar apenas um nome, escolho Monsenhor Bruno Nardini, que do alto de sua sabedoria me tratou, desde o primeiro dia, com respeito, generosidade e simplicidade. Obrigado Monsenhor Bruno.

Não posso, entretanto, deixar de citar o nome do Cônego Luís. Todos os dias das minhas aulas, durante o trajeto, sempre, num determinado ponto, o ônibus parava para receber o cônego que ao meu lado se sentava e íamos conversando sobre vários assuntos. Contava suas histórias de seu tempo de seminário e incluía, frequentemente, o nome de seu colega, o Cônego Cyríaco Scaranello Pires, tio de minha namorada e que na época era pároco em minha cidade.

Recordo, também, com muita emoção do “Seo Zé” que fazia o meu pagamento.

Ao final de cada mês estava lá com o envelope que me entregava trazendo os trocadinhos. Não faltavam nem os centavos. Penso que aqueles gênios que comandavam a escola haviam inventado uma forma de trabalho único que batizei de voluntassalariado. Nós éramos voluntários assalariados, ganhava-se pouco, o prazer era incomum, o trabalho era maravilhoso e milagrosamente aquele dinheiro caía em minhas mãos como uma doce fortuna.
  • Sobrou alguma mágoa? Qual?
Nenhuma mágoa.
  • Se voltasse no tempo trilharia novamente os mesmos caminhos? Por quê?
Se voltasse no tempo não só trilharia o mesmo caminho, como permaneceria no seminário até o último dia de sua existência. Nunca me perdoei por ter permanecido apenas três anos na escola.
  • O ex-SIC provocou alguma mudança na sua vida? Se sim, quais?
Minha permanência na escola era limitada aos dias das minhas aulas, que eram poucos e por poucas horas. Mesmo assim posso afirmar, sem sombra de dúvida, que os três anos que lá estive funcionaram como um marco divisório em minha vida.
  • Dedica-se à Igreja Católica atualmente?
Minha relação com a Igreja Católica sempre foi muito discreta e praticamente não mudou. Hoje talvez, seja mais concreta pelo trabalho que faço como vicentino. Embora a Sociedade de São Vicente de Paulo não seja subordinada à Igreja, mantém com ela um íntimo relacionamento.
  • Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
Sendo professor não sofri nenhuma influência religiosa no período que trabalhei no seminário.
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
A Igreja Católica, no meu entendimento, mudou em alguns aspectos. Tornou-se mais agressiva na busca de adeptos, desceu do púlpito e foi ao encontro das carências humanas. Deixou muito de seu antigo misticismo, partindo para um hedonismo místico, ou seja, deixou de pregar o ascetismo, o conformismo, e até mesmo o sofrimento – resquícios medievais - para oferecer o prazer, sem abandonar o misticismo, num mundo limitado por um decadente dogmatismo.
O constante avanço de outras religiões colocou em xeque o poder que a Igreja ainda conservava em nosso meio, herança do Império, levando-a a essas mudanças para chegar ao seu seguidor numa linguagem mais acessível.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Participei, pela primeira vez, do último encontro dos ex-colegas do ex-SIC. Achei ótimo e espero que esses encontros se perpetuem.
  • Há algum endereço na internet que tenha mais informações sobre você? Algum “link” que você queira divulgar?
Um endereço onde escrevo alguns textos sem importância: profnelsinho.blogspot.com.
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC.
Aos ex-Sic digo que a escola fechou mas não morreu, permanece viva em sua maior obra, representada por nós todos que por lá passamos, especialmente os alunos que hoje atestam, pelo que são, a magnitude da instituição educacional.


Grande abraço a todos.

Nelson de Luccas


Aguardo ansiosamente os comentários de todos, principalmente de seus ex-alunos. Vocês quiseram dar-lhe um "susto" na primeira aula? Ele "passou" no teste de "Vamos ver se este professor realmente tem autoridade"?  rsrsrsr

Só não esquecer de identificar-se caso comente como anônimo.

Se vocês gostam de ler histórias e "causos" bem contados não deixem de visitar o seu "blog". Para facilitar, coloquei o respectivo "link" em nossa seção de "Sites e Blogs amigos", na coluna lateral direita.



Agora é com vocês. Vamos lá pessoal!

Até a próxima,

J. Reinaldo Rocha (62-67)

P.S. Quem, como eu, nunca tinha visto a palavra "mussitar", não precisa procurar no dicionário. Eu já fiz isso e colei aqui:

mus.si.tar, v.t. e v.i.
  1. falar em voz baixa; cochichar, balbuciar, murmurar (Wikcionário)

Para quem aprecia, clique no "link" abaixo e veja uma homenagem aos professores: