sábado, 1 de maio de 2010

"Eu tinha que ser padre para ser santo um dia"

Após termos lido (quem ainda não leu pode consultar o mês de abril no painel a direita) a história e opiniões de um representante dos anos 60 e outra dos anos 50, desta vez vamos conhecer alguém dos anos 70.
Ele fez parte de uma das últimas turmas do ex-SIC. Presenciou e viveu o fim de um modelo de seminário. Leiam, então, como ele reagiu a isso.
Sabendo haver leitores que fazem o exercício de tentar "advinhar" o entrevistado antes de ler até o final, também desta vez não vou decepcioná-los e a revelação do entrevistado estará apenas no final do texto.
Então, vamos lá:
  • Quando entrou para o ex-SIC?
1966 
  • De que cidade/paróquia? 
Campinas, Paróquia Nossa Senhora das Dores.
  • Por que entrou para o seminário?
Queria ser santo e na minha mente criança, os padres eram santos. Então, eu tinha que ser padre para ser santo um dia.
  • Quantos anos tinha quando entrou?
11 anos
  • Quando saiu do ex-SIC?
1974 
  • Quantos anos tinha quando saiu?
19 anos 
  • Por que saiu do seminário?
Eu queria mudanças. Era muito progressista, antes mesmo de surgir essa ala.  
Quando acabou a casa das freiras, tentei me juntar aos que sobraram, na época sob a reitoria do Pe. Júlio, mas ele não me aceitou de volta. Disse que eu tinha ideias muito revolucionárias para os padres "atuais" (da época).
  • O que aprendeu no ex-SIC?
Aprendi o mais importante. Aprendi a gostar de ler e de estudar. Essas duas coisas são responsáveis por tudo o que conquistamos na vida, pois, como disse Freud: "só a sabedoria dá o poder". Daí pra frente, você escolhe o seu caminho. Se tiver paciência, persistência e perseverança, chegará onde quer. 
  • O que faltou aprender? 
Um pouco mais de Latim e Grego. Para um arqueólogo é muito importante (rsrs). 
  • Você participou de uma das últimas turmas do ex-SIC. Na época, você se deu conta de que era o término de um modelo de seminário?
Sim. E ainda que quase ninguém sabe, tentei uma última jogada conversando na época com Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, bispo em 1973/4. Quem me levou até ele foi o Pe. Canoas. O bispo estava em férias em Helvétia. A nossa conversa foi interessante e eu, naquele ano consegui a permissão dele para estudar Ciências Exatas no lugar de Filosofia, desde que fizesse Teologia também. Foi por isso que entramos no curso que era ministrado pelo Seminário São Francisco em Nova Veneza. Naquele ano, prestei UNICAMP concorrendo ao curso de Química. 
  • Quais transformações ocorridas mais o afetaram? Por que?
As mais importantes foram a disciplina e a organização. Eram coisas obrigatórias. Mesmo assim tínhamos as nossas quebras de regras. Os padres sabiam disso e o Monsenhor Bruno, principalmente. Ele sabia muito bem dosar a rigidez com a maleabilidade. Foi um grande educador. Mas não posso deixar de lembrar também do Padre Faur. Nos ensinou a Bíblia usando a lógica e explicando, cientificamente os mitos. Como ele me disse uma vez, "a regra é para todos", e ele as cumpria.
  • E hoje, como você vê isso numa perspectiva histórica?
Infelizmente vejo uma degeneração da educação. A substituição do Positivismo pelo Construtivismo levou o ensino e a educação à uma total degeneração. Ao mesmo tempo que sentimos orgulho do conhecimento angariado nessa nossa jornada interna, percebemos o quanto nos distanciamos dos jovens atuais. Hoje temos alunos na universidade semi-analfabetos e sem o menor interesse pela leitura. O avanço tecnológico pegou muitos atalhos deixando o aprendizado do fundamental e do médio dilacerado o que reflete na postura do jovem atual e no atraso da sua maturidade
  • O que fez depois que saiu? Estudou o que?
Fiz muitas coisas. Estudei vários segmentos da ciência e trabalhei em empresas multinacionais e nacionais. Fiz Publicidade e Propaganda, Marketing, me especializei em Psicoterapia e Psicologia Junguiana, desenvolvendo alguns trabalhos junto à Saúde Mental na UNICAMP. Estudei Arqueologia na USP, para formalizar algumas descobertas feitas através da SIFETE - Pesquisa Científica, instituto de pesquisas que fundei em 1975. 
  • Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Trabalhei na IBM Brasil, na área de publicidade e marketing desenvolvi trabalhos e criei empresas, como a Microcampo, por exemplo, fui para a Johnson & Johnson, montei uma agência de Publicidade, e hoje, presto consultoria, publico livros e leciono na Universidade.
  • Trabalha ainda? 
Sim. Há ainda muitas coisas a fazer. 
  • Casou? Tem filhos? Netos? 
Casei e tenho dois filhos. O menino é arquiteto e a menina é Farmacêutica Bioquímica. Netos ainda não tenho.
  • Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
Parece um contrassenso, mas era a liberdade. Apesar de toda aquela disciplina éramos livres nas nossas farras e diabruras. Talvez porque existisse uma cumplicidade ímpar entre nós. Além do mais, tínhamos amigos muito especiais, que apesar do tempo, conservamos em nossos corações, pois tais laços não se desfazem jamais. 
  • Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
O Pe. Faur me impressionou positivamente. Eu o admirava muito e era meu confessor. No dia em que soube da sua desistência como padre, confesso que fiquei passado, mesmo sabendo que era uma opção esperada de muitos. 
Me impressionavam também o trio Gessé, Trevisan e David, quando, após o jantar, iam para a última sala de aula do andar de cima, para tocar e cantar. Eu sempre ia também para ouvir e assistir. Me lembro sempre da guitarra vermelha que o David fez, peça a peça, e do violão do Jessé com enfeites de metal. 
O único que me impressionou negativamente, e que foi uma decepção geral para muitos, foi o Prof. Aparecido, quando descobriu-se que ele tinha desvios pedófilos.  
  • Sobrou alguma mágoa? Qual? 
Mágoa? Não. Nenhuma. Apenas orgulho e saudade de um tempo em que fui muito feliz. .
  • Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
Sem dúvida que iria. Por quê? "Porque eu era feliz e sabia."
  • Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
A entrada me deu perspectivas de vida, pois como muitos, era muito pobre e tinha pouca chance de uma educação tão boa. A saída me mostrou quantas portas estavam a minha espera para serem abertas usando todo o vasto conhecimento que tinha armazenada durante aqueles 9 anos.
  • Se dedica à Igreja  Católica atualmente?
Não. Como vimos os bastidores de perto e vivemos toda a sua produção, preferi não atrapalhar o público das sessões seguintes tecendo, inadvertidamente, alguns comentários impróprios.
  • Qual sua relação com a religião atualmente?
Respeito todas elas. Acho que cada um tem direito de aceitar seus dogmas como bem quiser.
  • Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
Hoje sou mais lógico, mais racional. Não sei se isso é bom, pois sabemos que a crença traz resultados surpreendentes. No entanto, aprendi que o nosso inconsciente é quem tem o poder dos milagres. Fica mais distante conseguir algum, mas acaba sendo mais fácil aceitar os erros. Pelo menos não precisamos culpar Deus pelas nossas derrotas.
  • Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
Acho que a Igreja perdeu muito do seu poder, pois seus dogmas, bem propagados é que mantinham a fé do povo. Hoje a Igreja promove uma corrida em  prol da conquista de público. Briga o tempo todo com a concorrência e ainda coloca um pontífice sem carisma algum para regê-la.
  • O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
Espetacular. Foi uma iniciativa fenomenal do Jorge, lá atrás e que foi encabeçada pelo Grego a partir de então a quem não podemos jamais deixar de agradecer e elogiar.
  • Alguma sugestão? 
Talvez tenha alguma mais pra frente. Mas manterei o blog informado.
  • Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
Não sei dizer. Mas se tiver novas perguntas, terei prazer em responder.
  • Alguma mensagem especial aos outros ex-SIC?
AMIGO 
 
O mundo se abre agora.
No caminho a vista se apaga.
Um amigo vai-se embora,
e é a saudade quem me afaga. 
 
Mas no mar, a água da vida,
no céu estrela a cintilar.
Quem sabe um dia, essa ida,
faça a felicidade brilhar? 
 
Se a meta for difícil,
não tente se esquivar.
Não deixe nenhum resquício,
há sempre um amigo pra ajudar. 
 
Na reviravolta da vida
jamais sinta indecisão.
Aqui tem a mão amiga
pra te dar força e atenção.
Como diz aquela cantiga,
amigo é mais que um irmão. 
 
Se do outro lado da história
olhares para o passado,
procura na memória,
talvez um amigo já apagado,
mas que te deseja vitória. 
 
Um dia rimos bastante
daquela piada constante.
Já sinto no coração,
como se fosse um barbante,
a saudade me apertando.
Um suor que vem brotando
na fronte, no rosto e na mão. 
 
Amigo, corre pra vida.
Vencer sempre é a tua visão.
Levanta a estrela caída,
que ela há de brilhar em tua mão. 
 
E na força desse teu gosto,
olha pr’aquele álbum antigo
e faze acender em teu rosto
a certeza de ter um amigo. 
Omar Carline Bueno
Aproveitem para comentar, fazer perguntas, concordar, discordar, etc. Só peço que, se forem comentar como anônimo, não esqueçam de identificar-se.
 Aguardo os comentários de vocês
J. Reinaldo Rocha
OBS:
1) Vocês podem encontrar mais informações sobre o instituto de pesquisa a que o Omar se refere aqui: SIFETE - Pesquisa Científica. Este "link" também faz parte da relação de "Sites e blogs amigos" que pode ser vista no painel lateral direito do nosso "blog".
2) A medida que as entrevistas forem sendo publicadas, os respectivos "links" das publicações estarão na seção "Personalidades" do nosso "site" (experimente clicar aqui), coluna "Mais Informações".

4 comentários:

  1. É isso aí, Omar. Então, além do seu grande interesse pelo passado (arqueo) e por coisas que ainda não estão bem explicadas (ovnis) ... então é um homem de marketing também. Uma revelação.
    Muito boa entrevista. Direta e racional sem deixar de lado as emoções sentidas.
    Gostaria de uma pequena ressalva com relação a divulgar essa história do Prof. A num veículo tão público como a Internet.

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  2. Concordo plenamente com o comentário do Daólio,sobre a RESSALVA.(MUITO BEM COLOCADA).
    Pra mim foi uma grande DECEPÇÃO.

    DURVAL 63/65

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  3. E não é que o Omar tem razão?
    "Seis de cada dez crianças brasileiras estudam segundo os dogmas do construtivismo, um sistema adotado por países com os piores indicadores de ensino do mundo" Revista Veja 12 de maio de 2010

    http://veja.abril.com.br/120510/salto-no-escuro-p-118.shtml

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  4. Omar Carline Bueno é um ser que vive a vida na sua essência. Uma alma inquieta que busca na psicologia, na arqueologia, no comportamento das pessoas as razões de se viver... Quase tudo isso está nesses versos, para quem tem o dom de ler poesias, e está em partes no seu livro Inspiração, da editora Ateniense. Acho que agora Omar, vc deveria escrever um livro assim: Omar por Omar e contar suas aventuras, inclusiver do SIC.
    Não achei nada demais o comentário sobre o Prof.Aparecido, como o mestre Daolio mencionou como meio temeroso estar na internet. Acho que se referiu a isso como dar trela aos comentários que anda em moda sobre pedófilos na Igreja. Eu penso é que pior é calar, temos é que esclarecer que lá estivemos e que esse negócio de pedófilo, felizmente é excessão, mas está presente em todos os cantos da sociedade.
    Grego

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