sábado, 13 de dezembro de 2008

O dia que o passado invadiu meu presente





























OBS:
1) ATENÇÃO: Normalmente quem escreve neste espaço é o J. Cláudio Grego. Hoje NÃO é ele. Portanto não o culpem por nada do que está escrito abaixo. Quem está escrevendo sou eu: J. Reinaldo Rocha
2) Embora a visita tenha sido há mais de 1 mês, só agora tive tempo de registrar minha versão sobre ela.
3) A parte sobre o Pe. Sena foi escrita no dia que recebi a notícia da sua morte. Resolvi não mudar nada do que planejara escrever.

11/novembro/2008. Marcamos de nos encontrar, o Grego, Aluizio e eu, às 10h em frente a Cúria Metropolitana de Campinas.
Objetivo: Pagar a reserva da Casa de Eremon e acertar um encontro dos ex-seminaristas no antigo prédio do SIC.
Acostumado ao trânsito de S.Paulo cheguei bastante adiantado. O Grego também chegou logo. Liguei para o Aluizio e ele estava saindo de casa. Ainda dava um tempo para "darmos umas voltas" de reconhecimento do local.

As voltas foram mais de conhecimento que de reconhecimento. Estava tudo mudado. Havia uma avenida principal e 2 marginais onde antes eram apenas algumas ruas estreitas.
Opa! Alguma coisa eu reconheci. Era o prédio do colégio PIO XII. Estudei lá durante todo o ano de 1967.
A frente estava toda mudada. Em lugar dos muros, cerca. Uma portaria modernosa com catracas e tudo o mais que a segurança exige.
Mirei uma janela do andar superior. Aquela era a janela da "minha classe".

1967 - 2. clássico
Eu morava no Seminário e todos os dias vinha até aqui para estudar. Na minha classe estavam o Sibinell, o Terossi, O Márcio e um rapaz de Guaxupé que veio morar conosco porque queria ser seminarista também, mas logo "se mandou". Maldosamente suspeitamos que foi a estratégia que ele utilizou para conseguir "passar" do primeiro para o segundo clássico. Havia sido "bombado" e foi "promovido" pelo "conselho de professores".
Embora no seminário tivéssemos tido tanto matérias ligadas a "humanas" como "exatas" tivemos que "optar" pelo clássico, pois depois faríamos filosofia.
O clássico era feito predominante por mulheres: havia umas 12 mulheres e uns 7 homens. Além de nós um gorducho, "bicho grilo", cabeludo do qual não me lembro o nome e um magrelo alto de quem me lembro perfeitamente o nome: Ubiteimar (o pai dele chamava-se Ubirajara Teixeira Martins).
Das mulheres lembro de uma muito bonita(acho que a mais bonita do colégio) e delicada e outra muito feia e chata. As outras estavam na área intermediária de beleza e acessibilidade.
Já conhecíamos os professores Razera (português/literatura) e Pe. Roberto Pinarello (filosofia). Este também diretor do colégio
Nos foi dito que não iria ser alardeado, nem escondido, que éramos seminaristas. Porém, como éramos diferentes dos demais, fomos descobertos no primeiro dia. Era um colégio de elite. Nós, vindos de famílias humildes.
A diferença começava pelos uniformes. Havíamos ido todos tirar as medidas em um mesmo alfaiate, ali perto do Pio XII, que cobrava barato. Quando fomos buscar descobrimos que a economia foi na quantidade de tecido utilizada. Mal cabíamos dentro das calças cinzas!
Tivemos que optar por uma das línguas estrangeiras: Francês ou Inglês.
Escolhemos Francês. Não foi por causa da professora de francês ser uma gracinha, ter pernas bonitas e a de Inglês ser mais conservadora e mais velha (até usava uma espécie de "birote"). Foi porque os melhores livros de filosofia eram quase todos escritos na língua de Flaubert.

- Não dispenso ninguém das minhas aulas, intimou a "miss" Fobé. Com prova, nota, e tudo o mais.
E assim tivemos que frequentar as aulas de Francês e Inglês. E, para não criar confusão, ela nos fez "passar de ano" em Inglês, independentemente do que havíamos aprendido.


Continuamos andando e nos deparamos com a famosa casa experimental onde ficaram os nossos colegas que iniciaram o seminário maior. Essa experiência foi bastante comentada na tese escrita pelo Pe. Eduardo Meschiatti  (O trabalho pode ser baixado do nosso "site" : Meschiatti_JoseEduardo_Trabalhadoresdavinha). Ela continua tal como naquele tempo. Pelo menos externamente.

Era para lá que eu imaginava ir assim que terminasse o "clássico". Isso até a metade de 1967. Quando voltei das férias de julho a decisão já estava tomada. Me aguentaria até o final do ano para não perder o semestre letivo.
O problema foi ter que explicar para todo mundo o porquê.
Da mesma maneira que eu não conseguira explicar porque eu quisera "ser padre" quando entrei para o seminário, eu também não sabia dizer porque eu desistira de "ser padre".
A causa mais racional que eu consegui descobrir foi a ânsia por liberdade. Segunda-feira era o dia que os colegas relatavam tudo o que haviam feito no final de semana. Festas, namoros, ida prá cá, viagem prá lá. E eu não tinha muito o que contar. Cada passo era vigiado por alguém. Cada saída tinha que ser justificada para alguém. Como, além de "caxias", nunca fui um mentiroso competente eu nada fazia fora das regras para não ser "pego na mentira".
Não podia usar isso como justificativa. Fiz um primeiro ensaio com os colegas de seminário. Fui "massacrado" com um monte de argumentos sobre "o que é liberdade" que o meu raciocínio cartesiano não conseguia rebater.
- Preciso ajudar financeiramente meus pais.
Esse era um argumento bastante concreto. A emenda foi pior que o soneto!
- Padre também ganha dinheiro, disse-me um deles. Paguei a operação da minha mãe com o dinheiro que arrecadei celebrando missas.
Pior. Uma das "carolas" que ajudavam o meu pároco foi em casa perguntar para minha mãe se eles estavam me pressionando para deixar o seminário.
- Eu nem sei porque ele quer sair, respondeu minha mãe.
Além dela, tive que me explicar para um monte de gente: Pe. Canoas, Mons. Bruno, meu pároco, e nem me lembro para mais quem.
No final eu já não explicava mais nada prá ninguém. Tal qual na fábula do lobo e do cordeiro eu somente dizia: "eu quero e pronto".

Contornei a esquina e fui olhando os muros altos e a porta por onde entrávamos para as aulas de educação física. Acho que os muros eram mais baixos naquele tempo.
Voltei à rua da Cúria encontrei-me com o Grego e Aluizio. Graças à desenvoltura desbravadora com que o Aluizio percorreu todos os andares, conversamos com o Cônego Veríssimo que nos orientou sobre algumas providências que deveríamos tomar.

Próxima parada: Visita ao Pe. Sena.

Estava muito ansioso por revê-lo. Diferentemente de outros seminaristas eu nunca tive problemas com ele. O único incidente foi o relatado em no episódio "Scientia numerorum" (http://sites.google.com/site/exsicampinas/memórias).
Chegamos ao andar que nos indicaram e a porta era de vidro, como se fosse um escritório. Mas era lá mesmo, um apartamento residencial.
Duas senhoras nos receberam. Fomos apresentados ao Cônego Nogueira e cada um foi cumprimentar o Pe. Sena. Na minha vez peguei em sua mão:
- Aproveito esta oportunidade para agradecer porque você foi o responsável por eu ter escolhido minha profissão. Fica aqui meu "muito obrigado" e agradecimento pela grande importância que você teve na minha vida...
Ia continuar e ouvi uma das senhoras dizer:
- Não vai chorar, hein, padre.
Eu não sabia se ele estava entendendo o que eu falava. Ele me olhava de maneira quase "catatônica". Pelo sim, pelo não não falei mais nada.

As aulas de matemática (ou ciências) dadas pelo Pe. Sena eram aulas de cultura geral.
- Vamos ver agora como se consulta um dicionário. Palavra: aaaaa. Significado: bbbbb, cccc. Vejam que há um ponto e vírgula. Isso diz que a seguir há uma outra definição para a mesma palavra...
E assim ia nos ensinando a estudar. Isso foi que mais me valeu das aulas do Pe. Sena.
- Havia um filósofo chamado Diógenes, o cínico. Um dia ouviu a definição de Platão para homem: "bípede implume". Afastou-se e daí a pouco voltou com um frango depenado exclamando: "Eis o homem de Platão".
- Esse mesmo Diógenes, que morava dentro de um barril, recebeu a visita de um emissário de Alexandre Magno oferecendo-lhe o que quisesse. Diógenes olhou para o emissário e, notando que este lhe fazia sombra, disse-lhe. "Só quero que não me tires o que não me podes dar".
Realmente eu não tinha motivos para não gostar das aulas dele.
- Estou fazendo um curso no colégio São José (acho) sobre uma máquina, que está chegando ao Brasil, chamada "cérebro eletrônico". Portanto nas próximas aulas vou mostrar prá vocês o que é essa nova máquina.
E assim fui apresentado àquela máquina, cheia de válvulas, que obedecia uma série de comandos, estritamente lógicos, que a gente escrevia. Isso me fez perseguir, e exercer, a profissão numa área que hoje é conhecida pelo nome genérico de "Informática".
A cada aula que freqüentava no colégio ele nos repassava o que aprendera.

Fomos "filar a bóia" na casa do Aluízio e visitar o prédio onde morei/estudei por 6 anos (1962-1967). Lá nos encontramos com Wiziack, JNivaldo Amstalden, Mário Rosa e Marconcini.
Entramos na capela. Quase nada havia mudado. Os bancos, assim como os vitrais, eram os mesmos. O altar idem. Os lustres haviam sido retirados e vários ventiladores espalhados pelas paredes. Acho que é consequência do "aquecimento global"! Tínhamos que frequentar o local sempre com blusa de manga comprida e não me lembro de era tão quente assim.
Através da janela lateral observei o jardim central que era ladeado pelo refeitório e ala dos padres. Praticamente igual.
Andei por toda a capela e, pela primeira vez na vida, atravessei a porta que liga a sacristia à ala que era das freiras. Saímos do prédio pela parte traseira e fomos em direção ao "campo de baixo".
O que encontramos foi um monte de salas da faculdade ali instalada. O Wiziack e Amstalden não perguntaram nada prá ninguém, entraram pelo corredor que ficava ao lado da lavanderia e foram em frente. A turma que vinha atrás foi consultar o guarda da faculdade e... impedida de entrar.
Só nos restou voltar e tentar entrar na faculdade de maneira ortodoxa. Isto é, pela portaria.
Vimos o Wiziack e o Amstalden saindo, mas, por alguma burocracia de "repartição pública" não conseguimos entrar por onde eles saíram.
Sem pré-agendamento ou autorização de alguém, inacessível no momento, nada feito.
Restou-nos ver o auditório através da janela aberta. Exceto as quatro paredes e janelas, o resto está tudo diferente. As cadeiras, e não poltronas, de assento cor azul. O palco foi rebaixado. Os corredores laterais ao palco retirados.
Demos a volta para entrar na Casa de Eremon e, de quebra, conseguimos visitar o seminário propedêutico. Neste seminário estão sendo formados os futuros padres. Eles terminam o ensino médio nas suas respectivas localidades e ali ficam internados e sendo preparados para os estudos superiores.
Esta, além da capela, é a parte que está mais preservada. Fica na ala onde havia a barbearia, dentista, capelinha (em baixo) e sala de aulas/biblioteca (em cima).
A sala superior ao fundo, onde aconteceram os episódios "Um quase incêndio" e "Canais abertos" (http://sites.google.com/site/exsicampinas/memórias) está bastante parecida com o que foi. Há muita coisa amontoada, algumas divisórias de madeira, e, aparentemente, sem uso. Procurei, mas não encontrei as marcas deixadas, nos tacos, pelo fogo da pólvora.
Conversamos com 2 dos seminaristas. Eles nos acompanharam mostrando todo o ambiente e pudemos comparar os tempos atuais com o "nosso tempo".
Finalmente um "cafezinho" com os seminaristas, fotos de lembranças e despedidas.
Como o Marconcini ia até o Carrefour que fica entre Campinas e Valinhos, segui-o para saber como alcançar o Rodoanel Magalhães Teixeira.
Foi como se passasse por ali pela primeira vez na vida. Assim, meu passado foi embora e só me restou o presente novamente.

J.Reinaldo Rocha

2 comentários:

  1. Um mes depois, aos 91 anos de idade faleceu o Pe.Senna e foi sepultado em Pirassununga.
    Grego

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  2. O endereço correto onde encontra-se o "scientia numerorum" é http://sites.google.com/site/exsicampinas/memórias

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