Hoje temos a história de alguém que veio de longe, passou por outro seminário até aportar no ex-SIC.
Saiba como ele descobriu a diferença entre "vaidade" e "humildade" e entenda esta intrigante história de censura lendo a instigante e longa entrevista.
Lendo-a inteira fica fácil entender a última frase de sua entrevista.
Com todas as informações acima ficou fácil adivinhar quem é nosso entrevistado. Ou não?
- Quando entrou para o ex-SIC?
- De que cidade/paróquia?
- Por que entrou para o seminário?
Um dia, Pe, Correia, dá-nos a notícia de que, em Fortaleza, havia tido contacto com o então visitador apostólico dos seminários, no País, Dom Manuel da Cunha Cintra, bispo de Petrópolis, que revelou estar sua diocese disposta a receber, a cada ano, adolescentes de Ipueiras que manifestassem vocação para o sacerdócio. Três nomes foram a escolha, naquele primeiro ano, de padre Correia: os de seus acólitos Helder Sabóia, Antônio Frota Neto e eu.
Hélder, na última hora, desistiu. Frota Neto e eu partimos. Frota deixaria o seminário e, de sua saga como jornalista, onde os tempos do Seminário Diocesano de Petrópolis se incluem, escreveu, em quase 500 páginas o seu “Quase (retratos de uma época)”, onde relata essa e outras histórias. Hoje, acompanhando sua esposa, que cumpre funções diplomáticas na Suíça.
Ao final daquele primeiro ano, cena curiosa, presidida por Dom Cintra marcou-me. Os melhores das diversas turmas ali eram chamados e premiados. Por último, meu nome foi solenemente citado como a “melhor média de todo o seminário”. Chamado, levantei-me e de Dom Cintra recebi (isso me ficou até hoje marcado) uma caneta Compactor como prêmio.
Num ato que, para mim, era de humildade, devolvi a caneta.
Dom Cintra, em tom paternal, falou da diferença entre “humildade”, que vem de “húmus” (chão) e de vaidade, de “vanitas” (oco, vazio). Pediu-me que, na vida, me lembrasse de tal diferença, pisando o chão e esquivando-me da vacuidade da “vaidade”.
Recebi a caneta e, cabisbaixo, voltei amargando a lição. Essa cena marcou-me fundo. Até hoje não consigo lidar com caneta-tinteiro. Ela me suja as mãos. E o escrever, em minha vida, terminou por se tornar uma missão...
- Quantos anos tinha quando entrou?
- Quantos anos tinha quando saiu?
Diretor: Mons. Luiz de Abreu
Presidente: José Luíz Naves
Campinas, 23 de novembro de 1960
- Por que saiu do seminário?
Foi em meio às provas, ansiedades e outras preocupações que recebi telefonema de meu pai. Coincidente a isso, andei, para colegas de Petrópolis, tecendo loas à educação em Campinas. Não me preocupei com a censura, que não sentia, em Campinas, às minhas cartas. Mas o inesperado me veio, do reitor do Seminário de Petrópolis, como que a toldar meu entusiasmo com o Seminário da Imaculada. Não sei como, mas carta do então padre Veloso, ultimada com a frase de Rui Barbosa, criou-me preocupantes embaraços. Sobretudo pela frase de Rui Barbosa, citada a pretexto de minhas observações: “Onde os meninos campam de doutores é sinal que os doutores não passam de meninos”.
Óbvia, a criação de arestas entre os superiores de um campo e outro. Passei uns dias, na Baixada Fluminense, hóspede de Mataruna em Caxias. Refleti sobre a violência, naquele campo, ao passarmos, várias vezes pela fortificada casa de Tenório Cavalcante... E, confesso, tive medo (tantas as histórias) de enfrentar trabalho de evangelização por essas bandas... E talvez tenha sido esse sentimento que terminou por me levar a atender ao convite de meu pai, à época na nascente cidade bandeirante, em Brasília.
Lá fiquei algum tempo. Rejeitei, porém, dois bons empregos e terminei por voltar ao Ceará e enfrentar o vestibular para os cursos de direito (na UFC) e de letras (na Faculdade de Filosofia do Ceará, que logo se tornaria parte integrante da nascente Universidade Estadual do Ceara - UECe). Nos vestibulares, figurei entre os primeiros lugares.
- O que aprendeu no ex-SIC?
Na verdade, em meus primeiros dias, em Campinas, lembro-me de que estávamos no refeitório quando, de repente, entra Monsenhor Luiz de Abreu, a nos pedir um pouco de silêncio.
Retórico, ele nos diz: “Meus filhos, como professor, sempre adotei o seguinte critério. Ao melhor aluno, não mais do que nove; ao melhor professor, não mais que nove e meio”. E, após retórica pausa, concluiu: “Dez, apenas para Deus. Mas, desta feita, resolvi fazer uma exceção”. E concluiu: “É verdade, São Paulo exporta café, mas é o Ceará que exporta talento”.
Eu, o único cearense ali.
Tinha eu, a essa altura, absorvido a lição de chão e humildade que de Petrópolis me ficara. Mas, em Campinas, convivi com novo universo: o da diversidade e da fecunda convivência com o plural. Pluralidade revelada nos sotaques das diversas regiões não só de São Paulo como de nós outros, de outras regiões, para ali transferidos.
Os elogios de Mons. Luiz de Abreu me despertaram o senso de responsabilidade em relação ao verbo escrever.
E esse sentimento evoca-me trechos do artigo “O poder da caneta”, que escrevi no Jornal O Povo: “(...) chega-me a denúncia da professora Marisa Lajolo, da Unicamp/SP, em defesa de duas qualificadas docentes da PUC/RS. Marisa vale-se do poema: “Na primeira noite, eles se aproximam/ e roubam uma flor/do nosso jardim./E não dizemos nada./Na segunda noite, já não se escondem:/pisam as flores, matam nosso cão,/e não dizemos nada./Até que um dia, o mais frágil deles/entra sozinho em nossa casa,/rouba-nos a luz/ e, conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./E já não podemos dizer nada.”
Dizer algo podemos sim – diz-nos a laureada Marisa. Solidário com ela, vou além. Se nos arrancam a garganta, sobra-nos o poder maior da caneta, mais afiado e durável que os temporãos interesses do marketing econômico e político!”
- O que faltou aprender?
- O que fez depois que saiu? Estudou o que?
- Qual sua trajetória profissional após a saída do ex-SIC?
Na UFC, fui Coordenador do 1º Ciclo, Assessor de Planejamento Universitário junto à Reitoria, Pró-reitor de Extensão (em dois períodos), Conceptor e um dos que implantaram da Rádio Universitária (FM) e editor de várias coleções, onde se destacam “Documentos Universitários”, e várias obras sobre o pensamento universitário.
Junto ao Governo do Estado, fui Superintendente da então Televisão Educativa do Ceará. Diretor do Departamento de Audiovisual da Secretaria de Cultura, Turismo e Desportos do Ceará, ao tempo em que a saudosa e amiga Violeta Arraes esteve à frente dela. Foi quando terminaria eu por coordenar, num pool com as diversas instituições - Tasso ,Governador e Ciro Gomes, prefeito de Fortaleza - o nacional Seminário Cinema e Literatura, duas edições do Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro e, por fim, a VI Edição do FestRio, trazido do Rio para Fortaleza.
Ainda no âmbito do Estado, fui, por 8 anos, presidente do Conselho de Educação do Ceará e Coordenador do Fórum Nacional dos Conselhos de Educação do País e, nessa condição, extinto à época o Conselho Federal de Educação, compondo grupo de trabalho com vistas à implantação da LDB no País.
- Trabalha ainda?
Inicialmente, essa foi idéia, alguns anos atrás, de Beni Veras, quando vice-governador de Tasso Jereissati. Fui convidado para um encontro nacional, em Brasília. Lá, tive a surpresa. Beni havia cedido o lugar a ele reservado, no Conselho Deliberativo nacional do PSDB, a mim. Hoje, logo após, meus acidentes cardiovasculares, tive a surpresa de haver sido eleito como integrante do Conselho de Ética e Disciplina. Por razões de saúde, não aceitei a presidência desse órgão.
Além dessa atividade política, escrevo regularmente artigos para os jornais.
- Casou? Tem filhos? Netos?
- Quais as recordações mais marcantes do tempo de ex-SIC?
- Cite um personagem com que conviveu na época que o impressionou positiva ou negativamente.
http://kairosnostambemsomosigreja.blogspot.com/2009/08/dadis-biograficos-de-jose-comblin.html
- Sobrou algum mágoa? Qual? .
- Se voltasse no tempo iria novamente para o ex-SIC? Por que?
- Quais as principais mudanças que a entrada (e/ou saída) do seminário provocou em você?
- Se dedica à Igreja Católica atualmente?
Ele se recorda de mim. E ainda se lembra do exótico nome de meu pai - Wencery Félix de Sousa. Consulta a lista telefônica. Minha mãe informa-lhe que papai havia morrido e que eu era professor da UFC, responsável pelo Ciclo Básico. Dom Veloso, satisfeito, conclui. Não vai ser difícil encontrá-lo.
Saímos à noite para jantar. Nos papos, os planos frustrados de me enviar para Lovaina e Roma. Agradecido e a sorrir, digo-lhe que a diocese não perdeu seu tempo: “Nem sei bem, mas nem à missa vou mais. Penso até que sou ateu.
Dom Veloso sorri e diz: “Não confunda ser cristão e católico com o ir à missa. Já conversei com vários professores que me deram conta de quem é você. E anote: poucos são os cristãos como você”...
Parece que Dom Veloso tinha razão. Lembro-me dos mais recentes acidentes cardíacos que tive. Passados os momentos mais críticos, um dos médicos me confidenciou: “Você tem um cartaz enorme com o Homem lá de cima”. Não entendi. E ele me explicou: “Você aqui chegou só, sem família, sem ninguém. Estávamos, médicos e enfermeiras, programando o longo feriado. E foi isso o que lhe salvou. Agradeça a Ele.
Ao sair do hospital passei uns tempos na casa de Solange, minha única irmã, ex-freira, casada com Luiz Marques, ex-marista. Resolvi, toda semana, em Messejana, bairro onde ela mora, ir à missa e onde sou pouco conhecido. Um dia, uma senhora, a me observar, indagou-me quase afirmando: “O senhor é padre, não é?” E eu lhe indaguei o porquê. Ela, seu jeito...
- Qual sua relação com a religião atualmente?
- Como você compara a sua religiosidade daquela época com a atual?
- Como você compara a Igreja Católica daquela época com a atual?
- O que você acha dos reencontros com os ex-colegas do ex-SIC?
- Alguma sugestão?
- Qual pergunta você gostaria de ter respondido e que não foi feita?
- Alguma mensagem especial aos do ex-SIC?
Dias atrás, recebi do presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, um convite para noite de autógrafo da edição comemorativa dos 50 anos da obra de Celso Furtado, em suas 568 páginas, no Centro Cultural do Banco do Nordeste do Brasil, no Centro da Cidade.
Pensei que, em lá chegando, não seria reconhecido pela maioria. Peguei um táxi e lá cheguei. No elevador, encontrei-me com economista que, nos anos 80, foi dos que dialogaram, em palestra nos “Encontros Culturais” da UFC. com Celso Furtado. Entrei no auditório. Políticos do PT, do PCdoB de todos os partidos, a me cumprimentar.
Longos, os discursos, as análises, as reminiscências. Terminados, no hall do edifício, um coquetel. Postei-me, primeiro, na fila para os autógrafos, a organizadora da edição comemorativa dos 50 anos, Rosa Freire d’Aguiar Furtado. E fiquei a esperar dela reconhecer-me ou não.
Ao ver-me, ela bradou: “Marcondes? Um prazer autografar a obra. Você está me devendo as gravações da palestra e debate de Celso, nos anos 80”. Deu-me seu endereço e, na folha de rosto da obra, postou o seguinte autógrafo: “Para o caro Marcondes Rosa, companheiro de tantas lutas de Celso, um abraço, Rosa Freire d’Aguiar Furtado”
Aí, fico a pensar. O “ex” ... SIC não é um passado. Mas o renascer vigoroso de um passado prenhe do amanhã.
Marcondes Rosa de Sousa
e-mails:
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Aí está, com a ficha completa. Agora, basta você comentar, lembrando sempre de identificar-se caso utilize a opção "Anônimo".
J. Reinaldo Rocha (62-67)
Muito bem, Marcondes, eu já estava a quando você chegou e mais uma leva... Gostei de sua entrevista. Não havia analisado o termo "humildade". E a Sagrada Escritura relata que o Senhor Deus fez o homem do "humus" da terra...Eu sei, é uma rica figura de linguagem e com tanto significado! Valeu, Marcondes, um abraço.
ResponderExcluirLúcio Também Rosa,ihihihihih!
Uma entrevista gloriosa, com humildade, com crescimento de vida, parabéns.....
ResponderExcluirJosé alexandre
Deliciosa entrevista.
ResponderExcluirBoa de ler, boa de pensar, boa de sentir.
Que bom termos alguém com esta vivência entre os nossos "amigos" do Ex-SIC.
Temos outros tesouros espalhados por este Brasil.
Abraços a todos
Arnaldo
Sr.Marcondes:
ResponderExcluirGostei muito de tudo que voce relatou.Nos"conhecemos" por intermédio da tecnologia; e devo dizer que foi muito gratificante.
Quem sabe um dia nos encontraremos.
Abraços fraternos.
DURVAL 63/65.
Sempre que tenho oportunidade, leio as coisas que você escreve sobre Ipueiras, os amigos, do seu tempo de menino. Gosto muito da minha terra, e fico fascinada com a forma em que você fala de Ipueiras.
ResponderExcluirParabéns pela entrevista, você realmente é de uma sabedoria admirável.
Abraços.